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quarta-feira, maio 8, 2024

Transporte público de qualidade: um exemplo que vem de Rondonópolis

Municipalizado a pouco mais de um ano, transporte coletivo apresenta melhoras, mas usuários cobram mais linhas e horários

 

Por Denilson Paredes

Municipalizado a pouco mais de um ano, o transporte coletivo em Rondonópolis apresentou melhoras na qualidade da prestação do serviço nesse período, mas ainda é criticado pelos usuários por conta da pouca disponibilidade de linhas e devido ao tempo que muitos perdem esperando nos pontos de ônibus.

A decisão de assumir o transporte coletivo foi tomada pelo prefeito José Carlos do Pátio (PSB), depois de tentar licitar por várias vezes a concessão pública sem sucesso, devido principalmente ao fato de que o número de usuários do sistema é insuficiente para garantir lucros financeiros para as empresas. 

Para tanto, ele criou no final de agosto de 2021 a Autarquia Municipal do Transporte Coletivo (AMTC), que já adquiriu uma frota de 50 ônibus novos e opera o sistema de forma híbrida desde o início de 2022, usando os funcionários e o sistema de bilhetagem da empresa Cidade de Pedra, que por muitos anos administrou a concessão no município.

De acordo com o prefeito, por conta de não conseguir renovar a concessão do transporte coletivo, o serviço funcionava de forma precária e a sua administração detectou que esse seria o serviço público com a pior avaliação no município e a solução encontrada foi assumir a responsabilidade e iniciar uma série de investimentos para elevar a qualidade do serviço prestado à população.

“Por incrível que pareça, esse era o único serviço que era mal avaliado.  Todos os demais serviços públicos eram muito bem avaliados. O serviço de fornecimento de água para as casas, para se ter uma ideia, tinha mais de 90% de aprovação. Coleta de lixo, rede de esgoto, educação, saúde, eram todos bem avaliados pela população. O único serviço que eles não aprovavam era o transporte coletivo, e eu decidi que tinha que resolver isso”, externou José Carlos do Pátio.

Ele relembra que somente na sua gestão a concessão do transporte coletivo foi licitada quatro vezes, mas nenhuma empresa demonstrou interesse pelo serviço, nem mesmo a Cidade de Pedra, que pertence ao grupo Andorinha, que chegava a ir para acompanhar a licitação com uma proposta em mãos, mas quando via que não havia nenhuma outra empresa interessada, não apresentava sua proposta. Dessa forma, o Município teve que assumir o compromisso de fazer repasses mensais à empresa, como forma de garantir a continuidade da prestação do serviço para a parte da população rondonopolitana que depende do transporte público para estudar, trabalhar ou resolver outros problemas cotidianos.

“Foi quando decidi tomar uma atitude, pois não podíamos deixar a população à mercê da empresa e sem esse serviço essencial. Tiramos a empresa, fui lá e compramos os ônibus e começamos a trabalhar para fornecer o transporte coletivo para a população. Já temos 50 ônibus e já temos o local para construir a nossa sede da AMTC, que é nossa, onde vai funcionar um grande terminal de ônibus”, declarou o gestor.

Esse terminal funcionará na Avenida Bandeirantes, na região da Vila Operária, mas ele também fala em construir um outro terminal na área central, no terreno onde funcionava a antiga rodoviária da cidade, para em seguida partir para a construção de terminais menores nos bairros mais populosos. “Nós também vamos usar micro-ônibus para buscar os passageiros para esses terminais. Tudo isso tem o objetivo de tornar o serviço mais ágil e atender melhor a nossa população”, completou.

IPK baixo

Pátio explica que a cidade tem uma característica peculiar que é a grande quantidade de pessoas que possuem e preferem usar transportes individuais, como carros e motocicletas, ao invés de usar o transporte coletivo, o que faz com que a concessão seja pouco lucrativa, pois o IPK (Índice de Passageiros por Quilômetro) fique abaixo de 1, o que torna o serviço inviável para a iniciativa privada, que visa acima de tudo o lucro.

“Para uma funcionar satisfatoriamente, esse IPK tem que ser acima de 1,5. Esse IPK mede o fluxo de passageiros que sobem e descem do ônibus a cada um quilômetro. Aqui temos regiões que não têm fluxo nenhum, porque nós temos um número muito grande de motos. E temos esse grande número de veículos particulares porque o poder aquisitivo da nossa população melhorou nos últimos anos, graças à Deus. Eles preferem a comodidade do seu transporte próprio e nós entendemos isso, mas não podíamos deixar quem depende do transporte coletivo na mão”, explicou.

O prefeito ainda faz questão de ressaltar que mesmo tendo feito investimentos pesados na aquisição de ônibus novos e com todos os confortos, como ar-condicionado, bancos confortáveis e tomadas para carregar telefones e notebooks, o preço da passagem não sofreu nenhum aumento no período. “Desde o dia que assumi a passagem é R$ 4,10. E eu já estou no sétimo ano do mandato. Estamos subsidiando a passagem e transporte coletivo. Está o ideal? Sabemos que não, mas é o possível de fazermos até agora”, diz Pátio.

 

Porque municipalizar?

Sobre o porque da decisão de municipalizar o serviço quando se fala muito em entregar os serviços públicos para a iniciativa privada, o prefeito explica que é defensor do serviço público de qualidade. “Quem são as pessoas que usam o transporte público? É a população que mais precisa. Então, a nossa ideia é proporcionar esse serviço para ele e com qualidade. Essa população tem o direito a um transporte público, de ir e vir. O meu desejo é que todos pudessem ir e vir sem pagar nada, mas não temos essa condição ainda. Mas nossa ideia foi garantir um transporte público de qualidade para a nossa população”, concluiu.

 

Corredores exclusivos

Pensando em dar mais agilidade aos veículos do transporte coletivo, a prefeitura de Rondonópolis deu início em maio passado a ampliação de faixas exclusivas para os ônibus da AMTC, mas a iniciativa sofreu forte resistência de representantes dos comerciantes das vias que passariam a ter as tais faixas exclusivas, que alegavam prejuízo nas vendas.

A questão chegou até a Câmara Municipal, que realizou reuniões com o setor e o Legislativo enviou um documento pedindo a suspensão por um período de tempo, que deveria ser usado para debater a necessidade e viabilidade das faixas exclusivas para o transporte coletivo, que seriam exclusivas apenas em determinados horários de pico.

As obras foram paralisadas atendendo a Câmara, mas até hoje não se falou mais no assunto.

O que os usuários estão achando do transporte municipalizado?

Percorrendo os pontos de ônibus para ouvir os usuários e usuárias do transporte coletivo, percebemos que no geral reina uma percepção de que o serviço melhorou, devido principalmente à nova frota de ônibus, todos novos e com conforto como o ar-condicionado e outros, bem diferente dos anteriores, que eram bem usados e quentes, mas ainda assim persiste a reclamação pela pouca disponibilidade de linhas e pela demora para os usuários embarcarem nos seus ônibus.

“Eu uso mais no final do mês para vir ao centro da cidade pagar minhas contas de luz, água, pagar as lojas e às vezes comprar alguma coisa. Eu vi que melhorou bem depois que colocaram os novos ônibus, que são melhores e mais confortáveis para a gente andar. É fresquinho e para mim está muito bom. Usamos sempre eu e minha mãe e a impressão que temos é que melhorou bastante mesmo”, avaliou a dona de casa Vanessa Ribeiro Neves, 28, moradora do bairro Alfredo de Castro, que fica bastante distante do centro da cidade.

Da mesma forma, a estudante secundarista Anália Oliveira Silva, 16, que usa o transporte coletivo diariamente para ir até seu local de estudo, é enfática em apontar que a prestação de serviços melhorou com a municipalização. “Melhorou bastante, principalmente por causa do ar-condicionado. Olha esse calorão que estamos vivendo e imagina esses ônibus sem o ar-condicionado. Seria um sofrimento tremendo. Antes era cruel. Mas eu acho que poderia ter mais ônibus nos horários de pico, mais tarde e nos finais de semana. Mas é ajeitar isso, vai ficar muito bom”, apontou.

Opinião bem diferente tem Roseni de Jesus Bonifácio, 34, moradora na periferia da cidade e que trabalha numa lavanderia que fica num dos distritos industriais da cidade e precisa pegar dois coletivos para chegar e voltar do seu local de trabalho. “Eu uso o transporte coletivo todos os dias, menos os domingos, e a minha opinião é que não melhorou nada (com a municipalização do transporte). Para mim, está mesma coisa. Tem que colocar mais ônibus urgente, pois para onde trabalho, por exemplo, nos sábados só tem ônibus até 13h20. Depois disso, só 5 horas. Como eu saio as 15 horas, tenho que ficar todo esse tempo no ponto esperando”, afirmou. 

Ainda assim, ela reconhece que os novos ônibus comprados pela AMTC são mais confortáveis e bonitos. “Eles são lindos. Sério. Mas precisa ter mais ônibus circulando. Só isso”, completou.

 

Mudança de Itinerário

Uma situação que não foi bem recebida por grande parte da população e da classe política rondonopolitana foi o anúncio feito pela Rumo, empresa que administra os trilhos da Ferronorte, ferrovia que tem na cidade o maior terminal ferroviário da América Latina, que sem debater com nenhum setor da sociedade local, apresentou um projeto de expansão da sua malha até Lucas do Rio Verde e que prevê que os trilhos deverão passar a poucos metros de bairros densamente populosos da cidade. “O traçado apresentado pela Rumo leva os trilhos para dentro da cidade. Isso é inadmissível, pois isso impede o crescimento da cidade nessas regiões e é um perigo para a população esses trilhos. Nós vamos levar a todos os entes federativos a nossa negativa com os trilhos como estão querendo. Nós queremos um pouco mais longe da cidade”, afirmou o presidente da Câmara, Júnior Mendonça (PT).

Para tentar reverter a situação, a Câmara enviou documento ao Ministério Público Estadual narrando o problema e pedindo o embargo da obra até que seja mudado o seu traçado nas proximidades da cidade.

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