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sexta-feira, abril 26, 2024

Ondas de calor também podem ‘derreter’ a economia, alerta cientista

Uma tempestade violenta na noite de sábado (10) furou o bloqueio de calor e secura no Mato Grosso , mas o estrago já estava feito.

A onda de calor registrada neste mês de outubro foi recorde em intensidade de temperatura e em extensão, castigando estados do Centro Oeste, do Sudeste e o Tocantins, no Norte.

Especialistas alertam que o calor extremo e prolongado prejudica a saúde das pessoas, dos animais e da economia. 

O calor derrete a balança comercial brasileira, afirma Eduardo Assad, da Embrapa, estudioso há três décadas do impacto das mudanças climáticas na agricultura. Ele diz que ondas de calor no ano passado (período de produção 2018/19) causaram perdas de R$ 15 bilhões ao Rio Grande do Sul e de R$ 10 bilhões ao Paraná. 

O prejuízo é decorrente da perda de produção que seca e calor impõem ao agronegócio. A onda de calor de outubro de 2020, que mal terminou, foi a maior da História do país e ainda não tem a conta feita, mas Assad estima que os prejuízos serão grandes. Eles variam em função do tamanho e do tipo de área de produção afetadas. 

No ano passado, plantações morreram por falta de água. Mas Assad ressalva que quem plantou com práticas corretas de manejo e conservação de solo e água perdeu pouco. Mas muitas áreas foram afetadas, reduzindo a produtividade e, consequentemente, a produção. Foi uma seca severa, no momento em que a soja e o milho mais precisavam de água. Nessa última década, isso se repetiu, no mínimo, três vezes, destaca Assad. 

“Vejo esse momento com tristeza. Não foi por falta de aviso. Há 20 anos alertamos que fenômenos extremos, como ondas de calor, se tornariam mais frequentes e intensos. Acertamos as previsões. É o que enfrentamos agora. É preciso mudar o modelo de produção agrícola. O atual não sobreviverá”, destaca Assad, pioneiro no Brasil nos estudos sobre o aquecimento global e a agricultura e também professor do mestrado em agronegócio da Fundação Getúlio Vargas. 

Pessoas, animais e plantas, todos sofrem com o calor extremo, salienta Fábio Gonçalves, professor de biometeorologia da Universidade de São Paulo (USP). Vacas leiteiras produzem menos, porcas abortam e pintos de 1 dia de vida morrem, acrescenta Assad. 

“De todas as variáveis meteorológicas, calor é a que mais mata, mais do que frio e furacões”, frisa Gonçalves. 

Temperaturas de 44°C, como as registradas na semana passada em municípios de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais estão muito acima do que a maioria dos seres vivos humanos é capaz de suportar sem passar mal.

No sábado, mesmo com o sistema de alta pressão que causou a onda de calor perdendo intensidade e alertas de tempestades, fez 43°C em Poxoréu (MT), por exemplo. 

O professor titular do Departamento de Meteorologia da UFRJ Wallace Menezes diz que a onda de calor chegou na pior hora para uma região que já sofria com seca e intensificou as queimadas. 

A onda de calor deste outubro fez história porque uma área enorme foi fustigada por temperaturas superiores a 40°C e baixa umidade do ar por dias seguidos, explica Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). 

“Ondas de calor são desastres, e esta veio na sequência de dois anos de chuvas abaixo da média, de seca, em parte do Centro-Oeste”, afirma Seluchi. 

E preocupa cientistas o fato de o fenômeno ter se tornado frequente na última década. Desde 2012, por exemplo, a capital de São Paulo bateu o recorde de temperatura 27 vezes, após oito décadas estável. 

Porém, diz Assad, esse recorde logo deve ser superado, se as previsões de mudanças climáticas continuarem a se confirmar, a exemplo do que tem sido observado no século XXI. 

“As emissões de CO já estão acima das usadas para calcular os cenários do IPCC. Não há alívio”, lamenta ele. 

Em 2002, o grupo de Assad fez um alerta pioneiro sobre o café. Advertiram que ondas de calor em setembro e outubro levariam à perda de qualidade do café. Isso acontece porque, em temperaturas elevadas, o cafezeiro aborta suas flores. 

“Fomos massacrados na época, disseram que era um exagero, mas aconteceu exatamente o que alertamos. Hoje, o setor está mais consciente e mudou”, diz. 

Os grandes cultivares mais vulneráveis ao calor são soja, milho, café, arroz e feijão. Para as hortaliças, ondas de calor como a deste outubro são devastadoras. 

Segundo Assad, o momento é de adaptação e redução do agravamento das mudanças do clima. Ele enfatiza que há técnicas de produção que podem tornar a agropecuária mais resiliente. 

“Neste ano, quem produz com sistemas agroflorestais, com integração lavoura-pecuária-floresta, teve menos perdas”, observa. 

Sombreamento faz diferença entre vida e morte para seres humanos e animais, e há décadas pesquisadores da Embrapa recomendam a prática. A diferença entre a temperatura no solo sob o sol a pino e a registrada à sombra de uma árvore é da ordem de 10°C. 

“O problema é que muita gente ainda faz pouco caso, e o sombreamento ajuda, mas não faz milagre”, diz Assad. 

RIO PARAGUAI – Os rios da bacia do Paraguai definharam a níveis alarmantes devido a uma combinação de tragédias climáticas. Uma sequência de anos com chuvas abaixo da média se somou à seca extrema de 2020, a pior em meio século no Pantanal. 

Este ano, a estação chuvosa, que normalmente começa em outubro, dá sinais de atraso e, segundo serviços de meteorologia, não chegará com intensidade para recuperar o nível dos rios. 

“Em todos os municípios monitorados, os rios apresentam cotas abaixo dos níveis normais e dentro da zona de atenção para mínimas na região do Pantanal”, diz o boletim mais recente do SGB-CPRM. 

Em Mato Grosso, “não foi registrada a tendência tão esperada para os rios voltarem a patamares normais”. Em Cáceres, por exemplo, é possível atravessar o Rio Paraguai a pé. 

Em Mato Grosso do Sul, a situação é ainda pior. Os níveis devem continuar a baixar nos próximos 20 dias. 

A estimativa de cientistas é que será preciso chover substancialmente nas nascentes do Paraguai, no Mato Grosso, para que o nível do rio e de seus afluentes chegue mais perto de patamares de normalidade. Porém, chuvas volumosas não são previstas antes de dezembro.

Por Marianna Peres
Fonte: Diário de Cuiabá

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