Gilmar se despede do TSE e colegas elogiam coragem e obstinação do ministro

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Nesta quinta-feira (1º/2), o ministro Gilmar Mendes se despediu da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral e deixou a corte pela segunda vez. Ao todo, foram oito anos no tribunal: dois mandatos de dois anos como substituto e dois mandatos de dois anos como titular. E reconheceu, em seu discurso de despedida, que viveu, de dentro da instituição que comanda as eleições, um dos períodos mais atribulados da democracia brasileira.

Em sua última sessão à frente da corte, Gilmar Mendes teve sua coragem, eficiência e capacidade de trabalho elogiadas por cada um dos presentes à sessão. Representando a advocacia, o ex-ministro do TSE na vaga de advogado Marcelo Ribeiro falou na “independência e altivez” do ministro. “O bom juiz não lava as mãos nem aceita a condenação popular”, disse Ribeiro sobre o agora ex-presidente do TSE.

O ministro Luiz Edson Fachin, substituto na corte, elogiou, além da eficiência na condução da corte, a “natureza intimorata” do ministro Gilmar. “Se eu tivesse que traduzir em uma expressão o que sinto, diria que é um sentimento de orfandade”, lamentou o ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Tarcísio Vieira, que ocupa uma das vagas reservadas à advocacia, falou na “obstinação” e na “determinação” de Gilmar e disse que ele é vítima de injustiças perante a opinião pública. “O ministro Gilmar não é só uma enciclopédia jurídica. Seu humanismo é também gigantesco. É um ser humano afável, sensível, gentil, emotivo, simples, cultor das amizades, bem diferente do que pode parecer a alguns desavisados”, disse.

Fortes convicções
O ministro Tarcísio lembrou ainda de quando Gilmar fez 15 anos de Supremo e ganhou um bolo surpresa de sua assessoria. Lembrou de como, ainda que emocionado e de improviso, o ministro fez um discurso “genuinamente com o coração”, desafiando o senso comum sobre ele, de ser ”um amante dos debates ácidos, das exasperações, da contundência verbal”.

Na verdade, disse Gilmar então, “sou um homem pacífico, por demais respeitoso, mas também de sólidas convicções”. “Se o preço a ser pago para a edificação do interesse público for de assumir o risco de ser confundido com algo que não sou, nada a lamentar: pagarei o preço que se ajustar.”

Algumas dessas convicções são conhecidas. Em 2014, quando Dilma Rousseff ganhou as eleições mais disputadas desde 1988, Gilmar estava na Vice-Presidência do TSE. E de lá já avisou que a legislação eleitoral impunha desafios à Justiça Eleitoral, mas que o principal deles estava no modelo de arrecadação e gastos de campanha. Naquele ano começou a operação “lava jato”, em meio à qual diversos empresários confessaram esquemas de corrupção que começaram com o financiamento de campanhas eleitorais.

Coincidência ou não, foi do ministro Gilmar o voto que deu continuidade ao processo de apuração da prestação de contas da campanha vencedora. A relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, havia entendido que os problemas nas contas do PT não eram suficientes para se abrir um processo de investigação. Depois, quando o TSE julgava uma ação de investigação eleitoral contra a chapa vencedora de 2014, o ministro puxou a tese de que não se poderia incluir novas provas depois do fim da instrução processual sob pena de “extrapolação do objeto”.

Gilmar Mendes votou contra e, tornando-se relator do processo, pediu ajuda ao Banco Central, à Receita Federal e ao Tribunal de Contas da União para vasculhar os documentos. Criou ali a parceria que consolidaria depois com os órgãos para assessoria permanente na prestação de contas. Foi com ajuda do TCU que a corte eleitoral identificou diversos indícios de fraudes nas doações eleitorais para as campanhas municipais de 2016.

Quando o ministro assumiu a Presidência do TSE, em maio de 2016, já vinha defendendo o que parecia um mantra: “Não podemos definir o financiamento para mexer no sistema. Precisamos, antes, decidir qual vai ser o sistema eleitoral para dizer como vai ser o financiamento”.

Trouxe a preocupação da discussão, no Plenário do Supremo, sobre a constitucionalidade do financiamento eleitoral de campanhas. A corte começara a julgar a ação, de autoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em 2014. O placar já estava dado, com maioria a favor da inconstitucionalidade da doação de pessoas físicas a campanhas e partidos. Gilmar levou o voto no ano seguinte e votou vencido: o fim do financiamento empresarial levaria a um problema ainda maior, “das interpostas pessoas”, ou do “fornecimento de CPFs”.

Hoje, ele diz ter razão. Dos 750 mil doadores a campanhas em 2016, 300 mil foram considerados “sem capacidade de doação” pelo TCU, conforme os cadastros levados em conta pela Justiça Eleitoral. Houve ainda a suspeita de irregularidades em 41,8% das doações analisadas, ou em 403 mil das 965 mil doações registradas pelo TSE.

Em seu discurso de despedida, Gilmar disse que “um dos pontos de maior tensão foi, sem dúvida, a fiscalização de contas de partidos e candidatos”. “Como todos sabem, temos vivido nos últimos tempos escândalos de corrupção dos mais assombrosos, os quais, de uma forma ou de outra, estão ligados à questão do financiamento de campanha. Portanto, não há como nos furtar ao fato de que as soluções institucionais que o Brasil hoje reclama passam necessariamente por aqui”, declarou.

Nova reforma
Em sua fala, Gilmar Mendes também elogiou a participação da Justiça Eleitoral em grupos de trabalho e em debates sobre a reforma política “no sentido de poder contribuir para a racionalização do quadro político e do controle eleitoral”. O ministro comemora o fato de muitas das sugestões do TSE terem sido aproveitadas na minirreforma eleitoral de 2017.

Das principais mudanças está nos gastos. A Lei 13.488/17 estabeleceu teto de gastos para as campanhas, demanda já antiga de especialistas que finalmente foi concretizada.

Também foi aprovada a Emenda Constitucional 97/2017, que trouxe mudanças profundas ao sistema. Acabou com as coligações partidárias para eleições proporcionais e criou uma “cláusula de desempenho” para partidos terem acesso ao Fundo Partidário e ao “horário eleitoral gratuito” de rádio e TV.

São questões levantadas pelo ministro Gilmar já há anos e que agora foram concretizadas — com ajuda e consultoria dele e do tribunal. Com o fim da coligação, preveem especialistas, diminuirá a quantidade de candidatos de partidos obscuros levados à Câmara pelo excedente de votos que o quociente eleitoral faz as legendas distribuírem entre os membros de suas coligações.

Já a cláusula de desempenho, ou de barreira, foi aprovada com o intuito de reduzir a quantidade de partidos com representantes no Congresso. A partir das eleições deste ano, partidos que não conseguirem 1,5% dos votos válidos em nove estados não terão acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio de TV. Até 2030 a cifra aumentará progressivamente até 3%. Com isso, espera-se que o número de partidos com representantes no Congresso — hoje, 28 — caia pela metade até 2022.

Ficha Limpa
Outra das grandes convicções do ministro é sua crítica à Lei da Ficha Limpa. Em entrevista à ConJur pouco depois da aprovação da lei, ele disse que o texto era “uma roleta-russa com todas as balas dentro”. A lei torna inelegível quem tiver sido condenado em segunda instância por alguns tipos de crimes e por atos de improbidade administrativa.

No julgamento de casos relacionados às eleições de 2016, Gilmar disse que a lei “parece ter sido feita por bêbados”, diante das incongruências e das dificuldades de aplicação. Ele reclamava do trecho que falava na inelegibilidade do chefe do Executivo que tiver tido as contas reprovadas. “Ninguém sabe se são contas de gestão ou contas de governo”, disse o ministro, na ocasião.

Ficou conhecido um discurso dele sobre a necessidade de um conselho semelhante ao existente na União Europeia para o aprimoramento de leis, em que citava a Ficha Limpa como um exemplo a ser melhorado. “Todos nós estamos vendo o custo que traz uma lei malfeita”, disse, no julgamento de um caso de Quatá (SP). “Quer dizer, analfabetos não podem fazer leis, pessoas despreparadas não podem fazer leis, porque, depois, isso dá uma grande confusão no Judiciário. Então, nós temos de ter muito cuidado com esse entusiasmo juvenil na feitura de leis, porque resulta nesse tipo de debate.”

Crédito: ConJur

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