Após ter alta de um hospital em Recife , onde passou pelo procedimento que interrompeu a gestação fruto de estupro, a menina de 10 anos viajou com sua avó. O destino, porém, é mantido em sigilo para evitar que a criança volte a ser hostilizada por extremistas antiaborto.
Nesta quarta-feira (19), a Promotoria de Infância de Juventude do Ministério Público do Espírito Santo ajuizou uma ação civil pública contra a extremista Sara Giromini, por ela ter tido acesso ilegal a detalhes do caso da criança capixaba que engravidou após ser vítima de estupro e ter divulgado o nome dela e do hospital onde a menina seria atendida para o procedimento de aborto. Os promotores pedem que Sara seja condenada a pagar R$ 1,3 milhão, a título de indenização por danos morais coletivos.
Os promotores afirmam que a divulgação de vídeo em rede social expôs a criança a perigo, por chamar seguidores a se manifestar, “em frontal ofensa à legislação protetiva da criança e do adolescente”.
O valor da indenização, segundo o Ministério Público, deve ser revertido ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente.
A Secretaria de Direitos Humanos do Espírito Santo informou, em nota, que há dois programas de proteção gerenciados pela pasta: o Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência (Provita) e o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). A família — que pode ou não aceitar a oferta do governo estadual — e a criança poderão escolher um dos dois para serem contempladas por até quatro anos.
Também nesta quarta-feira (19), a Organização das Nações Unidas (ONU) manifestou solidariedade à criança. A instituição disse “apoiar as iniciativas das autoridades nacionais para apurar e processar, de acordo com o devido processo legal, este crime”. E frisou “a importância da proteção integral da jovem vítima, da preservação de sua integridade física, mental e moral, bem como de sua privacidade”. “Casos como este geram consequências que impactam negativamente a vida destas crianças por muitos anos”, escreveu.
Na nota, a organização global afirma que, segundo dados do Disque 100, uma criança ou adolescente é vítima de violência sexual a cada 15 minutos no Brasil e, citando informações do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 53,81% dos 66.041 casos de estupro registrados em 2018 foram contra vítimas de até 13 anos de idade: “A maioria dos casos acontece dentro de casa, e o agressor é conhecido ou alguém da família”.
Procedimento em Recife
A menina capixaba de 10 anos que foi para Recife para interromper a gravidez teve alta médica e deixou o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), da Universidade de Pernambuco, na madrugada desta quarta-feira. O governo do Espírito Santo disponibilizou uma aeronave para ela e sua avó. Não há informações sobre o destino da criança, para evitar que a criança volte a ser hostilizada por extremistas antiaborto.
Na noite de terça-feira, antes da partida, a equipe do hospital fez um agrado para a criança e realizou seu sonho de comer um lanche do McDonald’s, segundo Paula Viana, enfermeira e coordenadora do Grupo Curumim, parceiro do programa Pró-Marias, de atendimento às vítimas de violência desde 1996, dentro do Cisam.
A gravidez da criança teve repercussão nacional. Ela contou que era estuprada desde os 6 anos pelo tio, na cidade de São Mateus, no Espírito Santo. Na madrugada de segunda para terça-feira, ele foi preso em Betim, Minas Gerais, e, segundo a polícia, confirmou “informalmente” que violentou a menina. Ele chegou por volta das 19h de anteontem à Penitenciária Estadual de Vila velha 5, no Complexo de Xuri.
A garota estava com 22 semanas de gestação. Ela viajou para realizar o procedimento em Recife, após o Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes, vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo, afirmar que o caso dela não se enquadrava no protocolo utilizado pela unidade para interrupção de gestações.
Ainda no hospital de Recife , a menina descobriu por um celular sobre a prisão do tio e demonstrou alívio. Para a avó, disse: “Ainda bem, porque o vovô pode sair para a rua agora”. A criança tinha medo de que o tio matasse o avô. Era sob essa ameaça que não revelava a violência que sofria para ninguém. O relato foi feito pela avó para a enfermeira Paula Viana.
A neta é criada pela avó desde que tinha 27 dias, e muitas vezes a chama de mãe. Vendedora ambulante de bebidas na praia, a avó disse que “perdeu o chão” ao saber dos estupros.
Segundo o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude, o procedimento aberto na Vara de Infância e Juventude do Espírito Santo deverá apurar se houve omissão da família e o acompanhamento à menina terá, obrigatoriamente, de ter continuidade:
“O caso não termina com o aborto e a prisão do acusado . Será preciso acompanhamento psicossocial, para cuidar da saúde física e psicológica da criança, em decorrência do trauma”.
Nesta quarta, a Rede Médica pelo Direito de Decidir divulgou uma nota lembrando que o direito ao aborto em caso de estupro é previsto no Código Penal Brasileiro desde 1940. A nota afirma ainda que o risco de complicações em gravidez de meninas com menos de 15 anos é muito mais alto. “As taxas de mortalidade materna entre as gestantes menores do que 14 anos chegam a ser 5 vezes maiores do que entre gestantes entre 20 e 24 anos”, reforça o comunicado.