Da redação (com informações da assessoria)
Abusos, desrespeitos e erros cometidos na assistência à mulher no momento do parto, convencionados mundialmente como violência obstétrica, foram debatidos na tarde de sexta-feira (17), na sede da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso, em palestra promovida pela Comissão de Saúde. Membros da advocacia e da medicina assistiram à fala da advogada especialista em violência obstétrica, Alessandra Prado Souza, sobre as formas de prevenir, identificar e buscar seus direitos diante de uma das situações apontadas quanto a esse tipo de violência.
O debate em torno do uso do termo “violência obstétrica” esteve presente em inúmeros momentos da palestra, sobretudo após a decisão do Ministério da Saúde de torná-lo impróprio e incentivar seu desuso nas políticas públicas de saúde. A preocupação gira em torno da criminalização apenas do médico obstetra nos casos, tendo em vista que diversos outros profissionais da área participam do preparo e do momento do parto.
A palestrante defendeu que há violência obstétrica no país e apresentou dados do Ministério da Saúde com o registro de 55 mostres de mulheres no parto a cada 100 mil realizados no Brasil, vinte a mais do que o máximo aceitado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em Mato Grosso, a advogada apresentou o dado de 75 mortes/100 mil partos.
“Essa é uma violência que é real, que ocorre todos os dias nos hospitais do Brasil. A importância do tema reside nas mortes maternas e neonatais que todos dias acontecem. Quanto ao termo, acho que o Ministério da Saúde, ao invés de se preocupar com o uso, deveria se preocupar com o número de mortes que há diariamente e com a condição precária em que a saúde se encontra também”, argumentou Alessandra Souza.
Alessandra Souza relatou práticas que são consideradas violências obstétricas, inclusive já vetadas pelo Ministério da Saúde em partos normais, como o “pique” (episiotomia), o uso da ocitocina (hormônio de indução do trabalho de parto) e o fórceps. “Só pode ser praticado em casos excepcionais”, citou, informando que o médico, antes de fazer o procedimento, precisa conversar com a paciente e pedir sua autorização. “Eles têm que decidir juntos o que será empregado”.
Outra modalidade de violência obstétrica citada é obrigar a parturiente a ser submetida a uma cesariana mesmo diante do desejo dela de ter parto normal. “Se ela tem o desejo e condições físicas para ter um parto normal, esse direito dela deve ser respeitado. A instituição hospitalar deve respeitar e fornecer os equipamentos e as condições necessárias para que tenha o parto normal, considerada a melhor via de trabalho de parto. Não havendo acordo, a mulher deve trocar de médico”, recomendou a advogada.
Foi o que aconteceu com a também advogada membro da Comissão de Saúde da OAB-MT e gestante de oito meses, Amanda Sodré Piona, ao ter se deparado com um ginecologista e obstetra, no início do pré-natal, que se negou a aceitar fazer o parto cesariana, como era o desejo dela.
“Eu me deparei, na primeira consulta, com o primeiro médico me contestando, dizendo que eu não poderia escolher esse parto, que teria que ser o normal. Eu expus minha opinião, como queria, até porque a gente fala de humanização de parto só ligado ao normal. Isso é um conceito muito errado. Parto humanizado acontece em qualquer tipo de parto, o que nada mais é do que o respeito às suas vontades. Eu me deparei com essa violência moral. Mudei de médico”, contou a profissional.
Como contraponto, a representante do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso, a obstetra Iracema Queiroz, lembrou que precisa ser considerada a assistência à saúde da mulher como um todo no Brasil nessa discussão, o que, para ela, está longe de ser feito de forma digna.
“Essa assistência é extremamente precária, nos faltam leitos, nos faltam condições de atendimento. O termo violência obstétrica é muito pesado porque ele deixa todo esse descaso como se fosse uma culpa do obstetra. A gestante e a criança precisam ser atendidas com dignidade, e isso é a garantia de uma maternidade, de que vai ter um leito, que o acompanhante possa estar junto, que receba todos os tratamentos possíveis e, também, que tenha o direito de escolher a via de parto dela”, pontuou a médica.