Atingidos pelo desastre do rio Doce no ES veem reparação lenta depois de cinco anos

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Demorou cerca de duas semanas para a lama de rejeitos que vazou da barragem de Fundão, em Mariana (MG), viajar até a foz do rio Doce, em Regência, no município de Linhares (ES). Luciana Souza de Oliveira, 48, diz que a comunidade ficou à espera, acompanhando as notícias na imprensa.

“Quando a lama chegou, fomos para a beira do rio, para o porto, chorar a morte anunciada de um ente querido. Porque assim os índios [botocudos] faziam”, lembra ela. “A gente não sabia o que ia acontecer, eram muitas incógnitas. Falavam que ia matar o rio, os peixes, que ia acabar com tudo que conhecíamos.”

Cinco anos após o rompimento da barragem da Samarco – controlada por Vale e BHP -, que deixou 19 mortos e provocou o maior desastre ambiental do Brasil, no Espírito Santo, a reparação ainda caminha a passos lentos, segundo atingidos e integrantes da força-tarefa responsável pelo caso.

Apenas a comunidade quilombola de Degredo, também em Linhares, reconhecida pela Fundação Palmares em 2016, tem assessoria técnica para orientar atingidos na reparação. Na comunidade, 185 famílias ainda são abastecidas com água mineral pela Fundação Renova. As demais comunidades seguem à espera de definições sobre assessorias.
Linhares, último município capixaba atingido antes de a lama chegar ao oceano, teve ribeirinhos que viviam no centro urbano removidos das casas por risco, e enfrentou os danos dos efeitos da lama em Regência, tradicional ponte de surfe, que teve queda no turismo.

Os moradores desalojados seguem com aluguel custeado pela Renova, sem ter conseguido retornar para suas casas, segundo o secretário de meio-ambiente de Linhares, Fabrício Borghi Folli.

“Quando a gente viu a reportagem na televisão do que tinha acontecido lá, a gente começou a colocar os pingos nos Is, de que iria chegar aqui. Junto com universidades, voluntários, [foi] um monte de gente trabalhando dentro do rio para salvar o que foi possível”, lembra ele.

“Hoje continuamos com a pesca proibida na faixa do mar. Pescadores não podem exercer atividade na foz.”
Entre os impactos causados está a mudança no modo de vida das comunidades. Problemas com alcoolismo se tornaram mais comuns, conta Luciana, e a base da alimentação local, que eram os peixes da região, passou a ser carne. “O nativo daqui precisa pescar para se sentir vivo”, diz ela.

Segundo o procurador Paulo Henrique Camargos Trazzi, do MPF-ES, o costume local de muito consumo de peixe deveria ser considerado também para avaliar os riscos locais à saúde humana, já que as empresas têm se baseado em uma nota da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que relata qual a quantidade de pescado pode ser consumido em segurança na região.

“Há contaminação e danos ambientais de magnitude incomensurável até hoje. Até porque, quando buscamos esse tipo de diagnóstico, temos dificuldade de conseguir esses resultados”, afirma ele.
A Ambios, que realizou estudos de riscos à saúde humana em Mariana e Barra Longa, municípios próximos o ponto de rompimento em Minas, também fez um trabalho em Linhares. Os resultados, porém, ainda não foram tornados públicos.
A Renova diz que protocolou junto ao CIF (Comitê Interfederativo), no dia 23 de setembro, o Relatório de Consolidação das Avaliações de Risco à Saúde Humana (ARSH), feito com base em pesquisas realizadas no município.
Questionada pela Folha, a fundação diz que o relatório considera tanto o estudo da Ambios quanto outro realizado pela empresa Tecnohidro. A divulgação, segundo a entidade, deve ser dada assim que concluídas as etapas de avaliações técnicas.
Para a procuradora do MPF-MG Silmara Goulart, coordenadora da Força-Tarefa Rio Doce, há poucos avanços no processo como um todo, passado meia década desde o desastre ambiental.

“Absolutamente nenhum grupo de atingidos, sejam eles agricultores, lavadeiras, artesãos, pescadores, pequenos comerciantes, foi integralmente indenizado. O meio-ambiente também não foi integralmente recuperado”, avalia.
“No ES, além das ações para encerrar o cadastramento de atingidos, o corte de milhares de auxílios financeiros e o atraso generalizado no processo indenizatório, tudo isso no contexto da pandemia, vemos uma firme obstinação de refutar os impactos ambientais e sociais no litoral capixaba, em que pese estudos e posicionamentos do Comitê Interfederativo”, diz o defensor público estadual, Rafael Portella.

Dos R$ 2,6 bilhões que a Renova diz ter pago em indenizações, auxílios financeiros e dano água até então, R$ 1,28 bilhão foram para atingidos em Minas e R$ 1,32 bilhão no Espírito Santo – no estado, o montante de R$ 698,7 milhões foi pago em auxílios emergenciais para 7.192 titulares.

Em julho, uma decisão judicial da 12ª Vara de Belo Horizonte reconheceu categorias de atingidos, arbitrando indenizações e fixando uma matriz de danos, para populações de Naque (MG) e Baixo Guandu (ES). O primeiro pagamento, segundo a Renova, foi efetuado para uma artesã capixaba em setembro; o município do ES registrou outros 255 depois.

O MPF recorreu da decisão do juízo, pedindo que seja mantido o pagamento das indenizações já acordado pelas empresas, mas que tirem a obrigação de que os atingidos sejam obrigados a dar quitação definitiva a elas, o que impediria que recebessem uma quantia maior no futuro, se assim for determinado depois dos danos avaliados e mensurados de forma definitiva.

Moradora da comunidade de Mascarenhas, em Baixo Guandu, comunidade que ainda aguarda contratação de assessoria técnica, Regiane Soares Rosa, 45, ribeirinha e pescadora, diz que categorias que dependiam do rio na região viveram desespero sem saber de onde tirar a renda depois do desastre.

“Perdi meu trabalho, minha fonte de renda, perdi meu modo de vida. Porque o rio era mais que meu local de trabalho, ele era minha fonte de lazer, ele era tudo para mim”, diz ela, que até hoje só recebeu auxílio emergencial.
A demora para a reparação levou indígenas tupiniquim, da Terra Indígena de Comboios, a se manifestarem em Aracruz (ES), ocupando áreas da Vale e rodovias para demandar respostas dos responsáveis.

Segundo o cacique Toninho, até hoje eles receberam apenas auxílio emergencial, e reivindicam indenizações, a inclusão de 29 famílias como atingidas e pagamento de lucro cessante (compensação pelas perdas causadas pelo desastre).

“Vai para cinco anos e não tivemos direito à indenização, nem lucro cessante. Estamos recebendo só emergencial, que não é suficiente pela perda cultural, social, econômica”, diz ele.

A Renova diz que considera legítima a manifestação popular pacífica, coletiva ou individual, e que tem a escuta e o diálogo como práticas norteadoras de suas ações. A Vale disse que a Estrada de Ferro Vitória a Minas foi interditada pelos manifestantes indígenas e que o diálogo é conduzido pela Renova.

Segundo Luciana, em Regência, a demora com as ações causou cisão na comunidade, alguns esperando definições, enquanto outros fecham acordos para virar a página.

“Precisávamos que a Renova parasse de ser escudo das mineradoras e cumprisse o papel dela que está no TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta), que é ouvir as demandas, levar as deliberações ao CIF e fazer com que elas fossem realizadas”, diz.

Por Fernanda Canofre

Da Folhapress – São Paulo

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