As belas das tardes quentes cuiabanas

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Como no filme francês A Bela da Tarde, um dos maiores clássicos do cinema mundial, mulheres, a maioria casadas, fazem programa no centro histórico de Cuiabá

 

Por Jean Gusmão

P. A. tem 33 anos, quatro filhos entre oito e 17 anos. É casada com um freteiro que faz transporte de pequenas cargas em Cuiabá e por municípios vizinhos e até fora do Estado, além de bicos diversos, inclusive como chapa. O marido costuma passar dias e até semanas em viagens. Enquanto isso, ela vai quase todas as tardes para a praça Doutor Alberto Novis, no “coração” do Centro Histórico de Cuiabá. Se instala em uma das mesas de um dos três bares que servem de ponto de encontro para mulheres que fazem programas. “É para levar um pouco mais de dinheiro para ajudar nas despesas da casa”, diz ela.

Os bares com seus ambientes lúgubres e morbíficos são apenas lugares de “caça”. O movimento é maior no início do mês, quando a clientela recebe pagamento. Os programas são feitos em dois hotéis localizados nas proximidades da praça, conhecidos como “matadouros”. Eles atuam em alta e baixa rotatividade. É ali que, nas tardes quentes cuiabanas as belas se oferecem em quartos claustrofóbicos com precários ventiladores para todo tipo de cliente.

Como o faz Séverine, a icônica personagem de Catherine Deneuve, na obra do cineasta Luis Buñuel, elas se entregam a homens de todos os tipos: velhos, novos, de meia idade, trabalhadores elegantes, outros nem tanto, muitos combalidos, alguns visivelmente doentes, parte drogados, desvalidos. Mulheres também compõem parte da clientela, albergam as Belles de Jour pantaneiras.


E. M. é mãe de dois filhos, sendo um de quatro anos e o pequenino de um ano e quatro meses. Ela tem 26 anos. Trabalha há algum tempo na rua como mulher de programa. Já se apaixonou por clientes, como no caso do V. S., que a conheceu há uns sete meses, mas ele nunca assumiu um relacionamento sério, só ficava às escondidas. Sendo que nesse curto tempo ele casou-se com outra mulher, mas até hoje eles mantêm contato, ficando às vezes quando se encontram nas baladas.

Teve época que E. M. se envolveu muito com um rapaz e chegou a pensar em largar a vida de prostituição, queria buscar um emprego para trabalhar de carteira assinada. Mas não deu certo. Viu que o menino não queria assumi-la, era só para o sexo e nada mais. Hoje ela continua fazendo seus programas na praça, cobrando 100 reais por clientes e fechou o coração para o amor. Resolvem definitivamente curtir a vida, saindo para as baladas e amando seus filhos. Mas volta e meia ela se revolve de esperanças e retorna a pensar em encontrar alguém que a ame e possa tirá-la dessa vida e, sim, viver um casamento de verdade, cuidando da família que ela sonha tanto.

N. B., uma senhora de 73 anos, aposentada, nascida em uma cidade do Sul do Estado. É mãe de cinco filhos, sendo um adotado, tem 13 netos e 6 bisnetos. Teve dois casamentos ao longo dos anos. No primeiro conviveu por 10 anos, já no segundo por 21 anos. Já foi dona de bordel junto com o seu marido, esse do segundo casamento. Mas precisou largar mão de tudo quando se separou do marido. Assim teve que dar a volta por cima na vida. Foi aí que ela decidiu vender produtos para garotas de programa, fazendo venda em vários bordéis da capital.

Sua vida amorosa se resume em seus ex-maridos. R. B. ela conheceu uns meses depois de sua segunda separação, chegando a ser amante dele por 31 anos. Ainda hoje ele continua casado, tem quatro filhas e é avô de cinco netos. Os dois viviam uma vida bem próxima na qual ele frequentava a sua casa, passeavam, participava das festas na casa de amigos. Mas ele sempre a apresentava como amiga, para que ninguém pudesse desconfiar do caso entre os dois.

Nisso foram mais de 31 anos de relacionamento às escondidas. R.B. acompanhou o crescimento de todos os netos de N.B., ajudou muito ela na questão financeira também. Porém já faz uns cinco anos que ela perdeu contato, pois não aguentou os ciúmes dele. Com isso ela precisou tomar a decisão de terminar esse relacionamento que já estava prejudicando ambos.

Hoje ela continua trabalhando na praça Doutor Alberto Novis, vendendo seus produtos há mais de 25 anos e fazendo seus programas. A bela da tarde ainda espera encontrar uma pessoa que possa amar e assumir um relacionamento de forma correta, podendo aproveitar mais a velhice a dois. Poder falar para todos que está namorando ou casada novamente e sendo feliz.

G. V., uma garota de programa de 38 anos, casada há mais de 10 anos, mãe de quatro filhos e está nessa vida já tem uns 8 anos. Ela fala que a vida dela é uma loucura, às vezes precisa ser uma super heroína para aguentar a barra de ser esposa, mãe, dona de casa, e manter-se na profissão. Ela nos conta que até hoje seu marido não descobriu que ela faz programas. Hoje em dia seu coração anda meio dividido, pois nutre um amor pelo J. R., que já foi seu cliente no passado, mas que se tornou seu amante.

O problema é que ele é casado e não pode assumir um relacionamento sério, ficando só na transa e nada mais. Nessa história quem paga o preço é o coração dela confortado apenas pela bebida. Tem dias que só vê lágrimas em seu rosto e muita cerveja para o consolo, para se manter de pé e encarar a realidade da vida que, definitivamente, não é um conto de fadas.

V.S. traz uma outra realidade para a praça Doutor Alberto Novis. Ela é casada, já foi funcionária de uma empresa sólida, o marido sabe de sua outra atividade. Em algumas ocasiões, quando consegue conciliar seu trabalho de encanador e eletricista, ele a leva para a praça no início da tarde e a busca no começo da noite.

“E ele não tem ciúmes?”, indaga o repórter. “Tem muito, mas não briga comigo. Parece que ele tem uma fantasia aí. E eu sei, e ele me conta, que muitas vezes é seduzido por algumas de suas clientes. Chumbo trocado não dói. Além do mais, eu ajudo muito bem com as despesas de casa”, responde ela.

A realidade de garotas de programas não é nada fácil. Invariavelmente é preciso engolir o choro para se manter na profissão. São muitas realidades dentro de uma realidade ali naquele cantinho do Centro Histórico de Cuiabá. Bem ao lado, por exemplo, está o Beco do Candeeiro, revitalizado pelo poder público, mas logo abandonado novamente e agora tomado por viciados em craque.

A convivência com os desvalidos dali é até pacífica e colaborativa. Forma-se, em alguns casos, até uma irmandade, uma proteção mútua. São seres humanos desprovidos da proteção do poder público, marginalizados, estigmatizados desprezados em sua dignidade.

Na praça Doutor Alberto Novis, existem mulheres de presos que fazem programa para trazer sustento para seus filhos. Quando seus maridos acabam sendo encarcerados, elas entram numa crise financeira, pois quando estava casada quem a sustentava era seu marido traficante. Mas agora, com ele na cadeia, as coisas mudam, principalmente na perda de renda dentro de casa.

Sendo assim, algumas mulheres não veem outra saída para trazer seu sustento para elas e seus filhos. Elas partem para o lado da prostituição às escondidas de seus esposos. Se por acaso forem descobertas, elas podem receber uma punição do mundo do crime, como levar uma surra ou raspar a cabeça. Não são raros os casos de mortes, especialmente quando ficam grávidas, o que torna flagrante a “traição”, especialmente durante as visitas íntimas.

Os hotéis do Centro Histórico de Cuiabá que recebem as belas da tarde e seus clientes são também lugares secretos para encontros de amantes. M. F. tem 48 anos, é casado, trabalha em uma empresa industrial e contou que frequentava um dos hotéis com sua amante. Ele conta que aquele local é um lugar bem tranquilo e com um preço barato. “Eu só chegava e perguntava se tinha quarto disponível, a dona já me passava a chave, mostrava o quarto. Eu pagava só uma hora de uso, dava se uma hora, a dona ia até o quarto e batia na porta avisando que já tinha esgotado o tempo de uso”, conta ele.

Os dois hotéis da região da praça Doutor Alberto Novis são bem conhecidos nas proximidades e levam a fama de “abatedouros”, gíria sempre usada pelas “comensais que ali frequentam. Eles funcionam das 8 às 18hs, de segunda a sexta, sendo que no sábado o horário de atendimento é até as 12hs. O valor cobrado varia de uma diária por R$ 80,00 e o momento de uma hora por R$ 50,00. Todos os quartos são com ventiladores. Não há serviço de quarto e geralmente os clientes pedem a refeição dos restaurantes próximos. O movimento varia muito, mas o volume aumenta sempre no começo de mês, pois a maioria dos clientes é aposentado, e trabalhadores comuns que recebem sempre no começo de mês.

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