Síndrome do pequeno poder: estar na liderança altera o comportamento das pessoas?

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A síndrome do pequeno poder não configura uma patologia, mas pode levar ao sofrimento individual tanto para quem tem (ou acha que tem) o poder quando para as pessoas ao redor

 

Por Marina Mori, do Gazeta do Povo

 

Uma frase atribuída a Abraham Lincoln diz que “se você quer testar o caráter de um homem, dê-lhe poder”. A máxima guarda profunda relação com a “síndrome do pequeno poder”, uma situação comum a muitos ambientes, de familiares a corporativos. Exemplo: alguém é promovido ou passa a ser responsável por decisões – pequenas ou grandes – que afetam aos demais e passa a usar dessa autoridade para tornar os dias mais fáceis ou mais difíceis para os outros.

Essa série de ações – conhecida como a tal síndrome – não configura uma patologia propriamente dita, mas pode levar a um sofrimento individual e até mesmo à depressão. Tanto para quem tem (ou acha que tem) o poder quando para as pessoas ao redor.

Para Ulisses Domingos Natal, professor de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a síndrome faz com que a pessoa assuma “uma atitude opressora, principalmente das pessoas que ganham um poder, uma posição ou uma responsabilidade e acabam usando isso de forma muito rígida, sem levar em consideração as pessoas ou as situações”.

Ele brinca dizendo que esse tipo de comportamento é uma distorção da realidade. “É como se, no momento em que eu assumisse o cargo, uma luz divina caísse sobre mim e eu me tornasse o grande líder. Na verdade isso não acontece”.

O erro, segundo o professor, está principalmente em colocar pessoas despreparadas em funções de liderança. A síndrome do pequeno poder também pode ser sinal de uma autoestima “esburacada” ou de falta de confiança nas próprias capacidades.

Pequeno poder ou assédio moral?

 Pessoas com essa “síndrome” aproveitam da autoridade para pisar nos outros. Foto: Bigstock

Enquanto a síndrome do pequeno poder é um conjunto de comportamentos que, a princípio, se aplica de forma quase generalizada, o assédio moral tem outras características. A psicanalista Cláudia Serathiuk explica que as duas categorias são de ordem moral. Ambas as situações fazem referência a uma pessoa usando de forma incorreta o poder a ela conferido. “Mas o assédio moral é, normalmente, direcionado a uma pessoa específica, não generalizada. Além disso, ele pode ocorrer em todos os tipos de relação hierárquica: pais e filhos, professores e alunos, patrões e empregados”.

O pequeno poder, por sua vez, estende-se a todo um grupo de pessoas. Natal defende que o problema não é o poder em si, mas o posicionamento da pessoa em questão frente a ele. “As relações de poder são parte da vida em sociedade. Muitas vezes o indivíduo nem tem uma posição de poder, mas tem uma atitude nesse sentido, de querer controlar determinada situação”. Para ele, o verdadeiro líder não se utiliza de sua posição para prejudicar outras pessoas ou dificultar seu cotidiano.

Gatilhos difíceis de desativar

Desvencilhar-se das ações de uma pessoa com sinais da síndrome do pequeno poder não é simples. De acordo com Cláudia, “é muito difícil ajudar, nesses casos, porque geralmente a pessoa está muito inflada, sentindo-se muito bem. Não há um espaço de vazio ou tristeza para que você possa ajudar. Enquanto ela não encontrar uma barreira, não ouvir um ‘não’, é complicado interromper o ciclo”.

Ela diz que é muito perigoso quando alguém confunde os privilégios de um cargo ou posição com aquilo que é real. Isso porque, cedo ou tarde, haverá uma situação que mostre que não se é tão poderoso assim. “Quando o poder que você tem não é estruturado e fundamentado, ele é imaginário. Então você vale pelo quê, na verdade? Certamente há um buraco muito grande, a pessoa tem que se firmar em coisas que não são sólidas”.

Embora pareça difícil conviver com alguém a quem o poder parece ter “subido à cabeça”, pode ser ainda mais penoso ser aquele que não tem consciência plena dos limites de seu poder.
“Essas pessoas sofrem. A situação não é cômoda para elas, é muito desgastante e gera sofrimento para os dois lados, tanto para quem convive com ela quanto para a própria”, afirma Natal. Nos casos em que a estrutura psíquica do indivíduo não é bem elaborada, defrontar-se com esse tipo de percepção da realidade pode mesmo levar à depressão.

Cláudia exemplifica lembrando de casos extremos. “Quantas vezes ouvimos histórias, por exemplo, de um cara que vai à falência e comete suicídio ou mata outras pessoas, porque não consegue lidar com a perda súbita de poder? Muitas vezes, e há muitos casos conhecidos”, conclui.

 

 

 

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