Se for para cometer outro erro – e não me parece que será o caso –, que pelo menos não seja o mesmo erro já repetido tantas outras vezes no passado
Como vários observadores da cena política nacional já notaram em outras ocasiões, o Brasil é, de longe, o país onde a implementação das teorias do marxista Antonio Gramsci – que advogava a tomada do poder pela esquerda não pela força, mas sim pela hegemonia cultural – encontra-se em estágio mais avançado.
O aparelhamento começou nas escolas e nas universidades, onde o ensino de História era quase sempre ministrado, desde a década de 50, à luz da ótica marxista. Essa tendência se acelerou nos primeiros anos da década de 1960 e prosseguiu durante o regime militar. Os militares, positivistas por formação, acreditavam que a principal ameaça à ordem democrática, à época, consistia na ação dos grupos terroristas armados, e não deram a devida atenção ao processo de doutrinação que, àquela altura, ainda se encontrava em estágio relativamente embrionário. Mas já era nítida a predominância da doutrina marxista e de indivíduos identificados com a esquerda em geral, na mídia e na Igreja Católica, para além de escolas e universidades. Durante todo esse período, principalmente a partir de meados da década de 70, a formação dos professores primários e secundários no país sofreria ainda forte influência do pedagogo socialista Paulo Freire.
Findo o regime militar e o governo de transição de José Sarney, o período democrático que se seguiu – exceção feita aos governos de Fernando Collor (1990-1992) e, em alguma medida, de Itamar Franco (1992-1993) – caracterizou-se, a partir de 1994, por uma sucessão de governos de esquerda, primeiro com Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), depois com Lula (2003-2010) e, finalmente, com Dilma (2011-16). Ao longo desses anos, a doutrinação marxista no ensino de História e nas ciências humanas como um todo avançou a passos primeiro mais tímidos (com FHC) e depois mais acelerados (com Lula e Dilma). Lula criou inúmeras universidades federais, que foram aparelhadas por concursos sob encomenda. Órgãos que um dia se destacaram por sua excelência acadêmica, como o Ipea, foram povoados majoritariamente por técnicos malformados, salvo honrosas exceções, em cursos quase sempre de orientação marxista. Ao longo dos últimos anos, a doutrinação esquerdista espalhou-se por outras áreas da academia; tornou-se praticamente hegemônica na mídia, e vem ultimamente – o que é mais preocupante – revelando metástase também no Poder Judiciário. O governo Temer tem procurado e tem conseguido, na medida do possível – em particular na educação, através do excelente trabalho que vem sendo realizado pelo ministro Mendonça Filho –, reverter parte da degradação institucional a que foi submetido o Estado brasileiro ao longo dos últimos anos.
A reforma previdenciária é apenas a primeira de muitas outras que precisarão acontecer no futuro brevíssimo
A ótica marxista se caracteriza pela tentativa de racionalização de toda a dinâmica da sociedade através do conflito entre uma classe dominante, ou opressora, e uma classe (ou classes) dominada(s), ou oprimida(s). O fracasso das principais economias planificadas ao estilo soviético, no fim dos anos 80, fez com que a esquerda (no plano global) repaginasse o conceito de classe oprimida – tradicionalmente ocupado pelos trabalhadores – para grupos étnicos e ligados à identidade de gênero. As políticas de ação afirmativa e de identidade de gênero são o resultado desse redirecionamento.
Neste sentido, ao longo da história do Brasil, o papel da classe dominante, nessa alegoria marxista, foi sucessivamente representado primeiro pelos senhores de engenho; depois, pela nobreza imperial e pela burguesia; e, na forma moderna, simplesmente pelo homem branco heterossexual, eleito como a bola da vez de todo o conjunto de valores que o marxismo sempre se propôs a destruir. Já a classe dominada, que inicialmente era representada principalmente pelos escravos, passou a ser representada, ao longo dos séculos 19 e 20, pelos trabalhadores; e, mais recentemente, por diversas “minorias” – afrodescendentes, homossexuais, indígenas, transexuais e até grupos que nem constituem minorias propriamente ditas, como as mulheres. O modus operandi é aquele mesmo que sempre foi característico da esquerda: um pequeno subgrupo ruidoso, disposto a praticar o exercício da vitimização, apropria-se indevidamente da “causa” dos grupos alegadamente oprimidos – não obstante a maior parte dos indivíduos destes grupos comungar dos valores essenciais às modernas democracias ocidentais com economia de mercado, como liberdade de expressão, meritocracia e direito à propriedade. O subgrupo ruidoso propõe-se a defender os direitos de alguns como diferentes daqueles dos demais – como se a nossa Constituição, em seu artigo 5.º, não nos garantisse que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Cotas raciais para ingresso no serviço público – política iniciada pelo governo FHC – e em universidades públicas (e mesmo como política em algumas empresas privadas), recentemente consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ao arrepio da própria Constituição, são um dos exemplos mais claros do estágio do avanço do gramscismo em nossa sociedade. Outros exemplos da pauta “progressista” da “nova esquerda” – grupo político em que no Brasil não faltam numerosos representantes – são as bandeiras feminista, LGBT, de direitos humanos, de direitos de afrodescendentes, da defesa de bandidos etc.
O momento é particularmente importante, pois dentro de alguns meses o país terá eleições gerais. Eliminado o cenário com o ex-presidente Lula, inelegível pela Lei da Ficha Limpa, e eliminada a possibilidade da candidatura do apresentador Luciano Huck, restam no tabuleiro os candidatos de esquerda tradicionais – que incluem Geraldo Alckmin, Marina Silva e Ciro Gomes, além de um possível indicado do PT. Todos estes candidatos, em maior ou menor grau, defendem pautas “progressistas”. Alckmin, por exemplo, fez um excelente governo em São Paulo, dos pontos de vista da gestão fiscal e da segurança pública. Não se pode dizer o mesmo do plano da educação – em 2017, a Unicamp, universidade estadual, decidiu reservar 25% de suas vagas no vestibular para candidatos que se autodeclararem pretos e pardos, além de criar o inédito vestibular indígena. O governador também encampou a ideologia de gênero nas escolas estaduais: através da Lei Estadual 10.948, resolveu garantir aos alunos da rede o uso do banheiro e uniforme escolar associados ao sexo com o qual mais se identificam, além do uso do nome “social” em todos os documentos administrativos da escola. Ainda, declarações recentes de seu secretário de Educação, que recentemente sugeriu que a concessão de bônus aos professores estaduais por desempenho reforçaria a desigualdade, não sugerem boas perspectivas para a meritocracia no sistema de ensino em um eventual governo Alckmin. Já Marina Silva defende pautas consensualmente identificadas com a nova esquerda.
Por outro lado, nos cenários sem Lula, o líder nas pesquisas de intenção de voto é Jair Bolsonaro, um candidato que defende uma pauta conservadora nos costumes, maior atenção à segurança pública no plano federal, reforma no Código Penal, revisão completa do currículo do MEC, com reorientação de suas bases hoje notadamente marxistas, e a observância estrita de nossa Constituição, especialmente no que se refere ao respeito às garantias individuais e à igualdade de todos perante a lei. Surpreendentemente, é o único candidato que ressalta a importância do artigo 5.º da Constituição (e da Constituição como um todo – parece incrível que isso seja um diferencial, mas, na situação atual, em que o STF tem optado por legislar e mudar a Constituição à sua conveniência, isso se torna um diferencial importantíssimo do candidato). As principais críticas a Bolsonaro são de duas naturezas: no plano econômico, ele não possuiria convicções liberais, pois não exibiria um histórico de defesa da economia de mercado como parlamentar; e pertence a um partido insignificante, além de sempre ter sido um parlamentar relativamente isolado, e seria assim incapaz de construir uma base de apoio congressual como presidente, que lhe permitisse governar. Uma indicação adicional, a este respeito, seria a postura refratária do candidato em relação à forma de governar associada ao presidencialismo de coalizão no Brasil – pelo menos na forma observada nos últimos anos, que envolve a troca sistemática de cargos e vantagens no governo por votos dos parlamentares da base aliada, em projetos de interesse no governo.
Estas duas críticas têm sua razão de ser. Bolsonaro, de fato, não defende publicamente reformas importantes, como a previdenciária, e se posicionou contra privatizações de empresas estatais em diversos momentos do tempo. No entanto, Paulo Guedes, o economista inquestionavelmente liberal que está elaborando as diretrizes de um plano econômico, a pedido de Bolsonaro, é possivelmente o mais capaz e cerebral de todos os economistas brasileiros. Algumas linhas gerais de seu plano, recentemente veiculadas em entrevistas de Guedes na mídia, incluem a reforma do sistema de Previdência, com a criação de contas individuais para os novos entrantes, privatização de empresas estatais, reforma tributária, independência do Banco Central, fortalecimento do federalismo e vários outros pontos, todos de natureza econômica totalmente ortodoxa. Não está ainda completamente claro se o candidato adotará essa plataforma, mas há sinais consistentes de que as conversas entre ambos estão evoluindo de forma robusta.
Quanto à questão da governabilidade, se é verdade que Bolsonaro ainda não tem uma base parlamentar que lhe permita aprovar projetos importantes caso eleito, a perspectiva de seu crescimento nas pesquisas deve ampliar sua base de apoio. Por outro lado, me parece verdade, também, que o presidencialismo de coalizão, na forma praticada no Brasil nos últimos anos, simplesmente não tem funcionado com regime de governo. O fim da eleição proporcional e o estabelecimento do voto distrital (ou distrital misto) seriam passos fundamentais para reduzir a probabilidade de captura do parlamento pelos interesses do Executivo.
Os problemas de natureza econômica que o Brasil enfrenta são inegáveis e não podem mais ter sua solução procrastinada. A reforma previdenciária é apenas a primeira de muitas outras que precisarão acontecer no futuro brevíssimo para desarmar a série de obrigações que a infeliz Constituição de 1988 impôs ao Estado, tornando-o fiscalmente inviável. No entanto, não menos imperativa é a necessidade de haver uma reação urgente à dominação cultural do gramscismo, pois a metástase chegou a um ponto capaz de evidenciar disfuncionalidades múltiplas nas instituições de Estado, que podem ser vistas a olho nu, todos os dias. Alguns exemplos recentes são a decisão do STF de acolher travestis (indivíduos do sexo masculino) em presídios femininos, e a proliferação de cursos a respeito do “golpe” de 2016 em diversas universidades públicas. Talvez o próximo estágio seja oferecer um curso de Geografia onde se propague a mentira de que a Terra é plana.
Seguir optando por candidatos à esquerda que nem sequer compartilhem do diagnóstico aqui apresentado – ou que, na melhor das hipóteses, não reconheçam a urgência de buscar-se uma solução para o problema descrito – nos levará à inviabilização como sociedade muito em breve.
Tentemos, pelo menos uma vez, um caminho diferente. Se for para cometer outro erro – e não me parece que será o caso –, que pelo menos não seja o mesmo erro já repetido tantas outras vezes no passado. Chega de marxismo. Chega de Gramsci, chega de Paulo Freire. Vamos dar uma chance para que a ordem possa encontrar o progresso.
Pedro Jobim é Ph.D em Economia pela Universidade de Chicago.