Muitos dizem que 2020 deverá entrar para a história como o ano que não começou. Outros afirmam que será o ano em que a Terra parou, literalmente. Eu digo que já é o ano divisor de águas. De fato, as pessoas não serão as mesmas após a pandemia da Covid-19. Os governos e as empresas também terão que se reinventar. As mudanças comportamentais e os reflexos da economia no modo de vida das pessoas já são perceptíveis no dia a dia e não há como negar.
Vivenciamos um mundo que está em processo de autodestruição e reconstrução ao mesmo tempo. Foi assim com a Revolução Francesa e com a Renascença. Ambos os fenômenos precisaram de mais de dois séculos de maturação para acontecerem de fato. O novo renascimento que ora presenciamos, com a exaustão quase total do Capitalismo, começou a ganhar contornos mais definidos com o domínio dos recursos e oportunidades oferecidos pela Internet. Não vamos precisar maturar por séculos e ainda tivemos uma ajudinha da Covid-19 para nos mostrar que estamos virando mais uma página.
Fala-se muito em crise, mas, nunca vimos na história doações tão vultosas por parte de bancos, empresas privadas e até estatais. Só no Brasil o montante doado em equipamentos médicos, leitos de UTI, medicamentos, alimentos e fomento deve ultrapassar R$ 3 bilhões. Um dinheiro que deveria sair dos cofres públicos jorrou de contas bancárias privadas na sua maioria. E o cacife para investimentos pós-pandemia pode ser incalculável. É lógico que ninguém vai rasgar dinheiro e a novas demandas vão ditar as regras do quintal ao ambiente global.
No entanto, quero me atentar um pouco mais à questão social e comportamental e volto a destacar a Internet que se consolidou como uma grande tribuna de discussões, exposição de ideias e de negócios, sobretudo. Muitas empresas se reinventaram em menos de 30 dias. O delivery ganhou o seu lugar definitivo, por exemplo. Quem conseguir identificar as mudanças de valores e embarcar na nova onda sairá na frente. Não acredito numa época de muita prosperidade econômica global, mas num boom de oportunidades por conta dos novos hábitos de consumo. O Grupo BMW já fala até em venda compartilhada de carro de luxo. Ninguém pensou nisso antes da pandemia do novo coronavírus. Até os tão mal falados cursos online passaram a ser vistos com outros olhos e vão ganhar projeção. Não apenas pela comodidade, mas, pela praticidade, redução de custos e sustentabilidade.
Dormimos em um mundo e, literalmente, acordamos em outro em processo de reconstrução. Tudo tão de repente. Da noite para o dia a Europa deixou de ser um sonho de turismo. A América deixou de ser o país mais poderoso do mundo e também caiu de joelhos diante da sua ineficiência em lidar com uma crise global e repentina. Sem contar Paris, até então referência para as nossas futilidades de consumo de alto luxo. A Cidade Luz perdeu o charme de seu romantismo no fechar de olhos de tantos mortos.
Resgatamos as conversas entre familiares e amigos. Vizinhos se redescobriram. Crianças voltaram a ser crianças como eram antigamente. Redescobrimos que precisamos amar-nos
Até a lendária Nova York não é mais a emocionante e vibrante Capital do Mundo. Pobre Madri, que nem é mais lembrada por suas alegres e vibrantes noites diante de tantas vidas que se perderam para um vírus. Milão perdeu a sua referência como centro da moda e até Maranello silenciou o ronco dos motores das feraris. No litoral brasileiro as movimentadas praias viraram desertos e também terão que se reinventar. Por falar em viagem, quem tão cedo vai querer visitar as Muralhas da China? Idem Taj Mahaal, Meca e Medina. Pregações, cultos e rezas vão ganhar novos canais online diante da possibilidade de sobrevida do novo coronavírus.
Céticos, ateus e até terroristas dobraram os joelhos com receio da morte. Quem não clamou por ajuda divina ao menos se recolheu e apenas observou sem saber o que viria pela frente. De repente, não mais que de repente, percebemos que somos ninguém e seremos levados a definir novos conceitos de vida. A Covid-19 nos mostrou que é possível reduzir a matança de pessoas nas ruas, nas guerras, no trânsito. Até as ambulâncias que circulavam diariamente com cardíacos, acidentados e baleados, só para citar alguns casos, reduziram os translados.
Agora, o melhor. De repente, não mais que de repente, antigas amizades se reaproximaram. Outras tantas foram conquistadas. Sofás, mesas de jantares, camas, tamboretes, cepos de madeira ou qualquer lugar onde as pessoas pudessem se sentar se tornaram armas de combate a vários inimigos invisíveis como o egoísmo, solidão, desamor, entre tantas outras atitudes e práticas dos tempos modernos. Resgatamos as conversas entre familiares e amigos. Vizinhos se redescobriram. Crianças voltaram a ser crianças como eram antigamente. Redescobrimos que precisamos amar-nos.
De repente, não mais que de repente, percebemos que nada mais valerá a pena se não tivermos a certeza da vida. Muito menos mensurarmos o valor real de termos determinado poder sobre outrem, riqueza, beleza, boa ou má fama, nem tampouco a valentia e exércitos com seis mísseis ou as articulações políticas. De nada adianta sem a vida, sem saúde e com a sociedade produzindo.
O planeta se tornou mais belo sem a totalidade dos aviões no ar, navios nos mares e carros nas ruas. Até animais silvestres se aventuram mais perto das cidades sem a presença de tanta gente zanzando pra lá e pra cá. De repente percebemos que não somos donos de nada, mas que também não somos meros personagens na história da Terra. Fazemos parte dela. O que está por vir diante de tantas transformações podem ser décadas de decadência econômica, política e social. A retomada pode estar diante dos olhos de cada um e, apesar de estar a um toque nas teclas enter ou delete, o sinal de sucesso nesse futuro que se desenha tem que passar pelo espírito coletivo. Em breve estaremos abraçados e de mãos dadas rumo a esse Novo Mundo se cada um fizer a sua parte!
* João Pedro Marques é Advogado, Jornalista e Publisher em Brasília e Mato Grosso