O desafio da intervenção é vencer o inimigo invisível da vez, diz Mario Rosa

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Você já reparou que sempre tivemos um inimigo invisível? Um inimigo terrível, assustador, abominável, que nos provoca medo e pânico e durante anos parece que vamos sucumbir até que – milagre: alguém acaba com ele ou todos nós juntos o derrotamos? Já houve um tempo em que a febre amarela dizimava populações inteiras nas cidades brasileiras (se bem que esse não é um exemplo dos melhores, já que estamos em meio a uma epidemia). Mas o fato é que o venerável Oswaldo Cruz foi lá e erradicou a moléstia numa memorável iniciativa de vacinar a população inteira do Rio de Janeiro. O mosquito era o inimigo invisível que podia destruir qualquer um. Eis que veio Oswaldo Cruz. Cito o exemplo para falar da iniciativa de combater a violência na Cidade Maravilhosa.

Como no passado, a violência é o inimigo invisível e invencível da vez. A qualquer momento, uma bala perdida pode ceifar uma vida, um tiroteio pode destruir uma família, um criminoso pode sair da espreita e transformar um destino. O invisível está sempre presente e é sempre apavorantemente assustador. Será que o ministro Raul Jungmann é uma versão blindada do sanitarista Cruz? Eu tive o privilégio de o ver discorrer no encontro promovido por este portal na noite de segunda-feira. Saí com uma certeza: dando certo ou não, a intervenção já deu certo. Explico o porquê.

Antes, é preciso fazer um passeio pelos paraísos tropicais, como o nosso. No imaginário dos conquistadores, esses paraísos sempre foram retratados com alguns clichês recorrentes. Primeiro, o Eldorado. Era chegar a ele e nadar em rios de ouro, encontrar tesouros, diamantes, riquezas. Os paraísos eram lugares onde seria possível ganhar dinheiro fácil. Bem, as revelações dos escândalos políticos recentes comprovam que esse clichê não é tão fora da realidade assim.

Outra fantasia dos paraísos tropicais eram as índias voluptuosas. Os rios tépidos onde elas se banhavam sem pudor. A sensualidade e o dinheiro fácil atiçavam a libido e a ganância dos exploradores. Mas…

Havia os perigos da floresta. Os perigos invisíveis. Os perigos letais. A zarabatana envenenada que vinha zunindo sabe-se lá de onde e varava até a morte o forasteiro. A linda e colorida folha que, deglutida, travava a traqueia e provocava o fim instantâneo. A cobra sorrateira que surgia do nada. A fera imprevisível que pulava na carótida e estraçalhava sem chance de defesa. É… o paraíso tinha rios de ouro, musas inebriantes, mas em compensação cobrava o preço do inimigo invisível sempre à espreita.

Tivemos sempre inimigos invisíveis e invencíveis, mas os derrotamos quando tomamos consciência deles. O mosquito das epidemias foi um deles. Hoje, temos a vacina e se ele persiste é muito mais por incompetência e não por incapacidade de vencê-lo. No regime militar, havia o SNI (Serviço Nacional de Informações): todos podiam estar sendo observados por algum espião. Ele podia estar invisível em qualquer lugar. Então, era prudente escolher o que falar em público ou ao telefone. Veio então a democracia e esse inimigo invisível sumiu. Quase. As investigações flagram deslizes o tempo todo. O perigo invisível agora usa distintivo e teoricamente persegue só os vilões.

Outro inimigo invisível deste paraíso tropical viveu entre nós durante décadas e parecia insolúvel. Chamava-se inflação. Ninguém o via, mas ele estava em todo lugar. E corroía salários, corroía até a noite o suor daqueles que trabalharam duro durante o dia. Chegamos à hiperinflação. Eis que o presidente Sarney lançou o Plano Cruzado, em 1986. Foi a primeira tentativa de estabilização da economia. Congelou preços, baixou a inflação por algum tempo, mas fracassou. Foi seguido por outros, pelo Plano Collor. Até que veio o plano Real. E quem fala em hiperinflação hoje em dia? Aquele inimigo invisível desapareceu.

A intervenção no Rio de Janeiro pode não funcionar, mas no mínimo é o Plano Cruzado do combate ao crime organizado. É a primeira tentativa com “t” maiúsculo de vencer esse inimigo invisível. O ideal seria que pudéssemos começar nossa estabilização social direto com um Plano Real, com algo que funcionasse pra valer e de forma definitiva. Mas a iniciativa do ministro Jungmann é um marco, assim como foi o fumacê de Oswaldo Cruz e o Cruzado de Dilson Funaro. O paraíso tropical está enfrentando o inimigo invisível da vez. Toda vez que começou, em algum momento conseguiu. A História mostra que o grande avanço é começar a enfrentá-lo. Pois à certa altura, a vitória virá. Por isso, há motivos sim para ser otimista com a intervenção. Mesmo que a atual ainda venha a ser um Plano Cruzado. Um dia o Plano Real dessa área vai acontecer.

Mario Rosa

Mario Rosa, 53 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Pede que em sua biografia seja incluído o fato de ter sido jurado de miss Brasil e ter beijado o manto verde-rosa da Estação Primeira de Mangueira. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor. Escreve para o Poder360 semanalmente, às segundas e sextas-feiras.

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