No Acre, candidatos ao governo disputam narrativa sobre delegacia contra crimes ambientais. Afinal, ela funciona?

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Foto: Sérgio Vale / Amazônia Real

Criada pelo atual governador do Acre Gladson Cameli (PP), candidato à reeleição, delegacia ambiental não saiu do papel. Segundo colocado nas pesquisas, Jorge Viana (PT), diz que ela só serve para criminalizar os produtores rurais.

Por Fabio Pontes

A proposta de implantar uma delegacia especializada em investigar crimes ambientais está causando uma polêmica curiosa na disputa pelo governo do Acre. A ideia partiu do atual governador, Gladson Cameli (PP), que se elegeu em 2018 prometendo estimular o agronegócio.

Mesmo tendo criado a delegacia ambiental em 2019, o governo do Acre não foi capaz de deter a elevação tanto nos registros de desmatamento (de 682 km2 em 2019 para 889 km2 em 2021) como nos de queimadas —que partiram de 6.802 focos em 2019 e chegaram a 8.828 em 2021, segundo o satélite de referência monitorado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Cameli defende as delegacias ambientais, dedicadas a inquéritos de infrações contra o meio ambiente.

Seu principal adversário nesta eleição é o ex-senador Jorge Viana (PT), que governou o estado entre 1999 e 2006 e está em segundo lugar nas pesquisas, atrás de Cameli. Viana tem um discurso voltado para a exploração sustentável dos recursos florestais, mas seu programa no horário eleitoral da TV criticou a criação da delegacia ambiental em 5 de setembro, Dia da Amazônia.

No programa, o narrador questiona: “o atual governador anunciou que vai criar uma delegacia de crimes ambientais. Para quê?”. Depois argumenta que a delegacia só serviria para criminalizar os produtores rurais e que é desnecessária, uma vez que o Código Florestal “pacificou” o conflito entre a proteção da floresta e a produção agropecuária. A reportagem procurou a assessoria de Viana para esclarecer como o Código Florestal garante a tranquilidade nas relações do setor rural com o meio ambiente, mas não obteve resposta.

Os dados sobre crimes ambientais no estado mostram que a fala de Viana está longe da realidade. Entre 1 e 11 de setembro, o Acre registrou 3.794 focos de calor, segundo o Inpe —um recorde no ano e uma quantidade bem superior aos 2.638 focos detectados ao longo de todo o mês de agosto.

Ainda de acordo com o Inpe, o desmatamento registrado no Acre em 2021, de 889 km² , é o maior dos últimos 18 anos. Desde que Cameli assumiu o governo, o estado teve mais de 2,2 mil km2 de floresta destruída. E o leste do Acre figura entre as regiões da Amazônia Legal que merecem atenção pela concentração de atividades criminais contra o meio ambiente investigadas pela Polícia Federal, aponta o relatório “Territórios e caminhos do crime ambiental na Amazônia brasileira”, publicado pelo Instituto Igarapé em julho de 2022.

A delegacia especializada em crimes ambientais já existe no Acre: foi criada por Cameli em 2019 e inserida na estrutura administrativa da Polícia Civil a partir do Decreto 4.010. Na prática, ela não saiu do papel por falta de efetivo policial.

A delegacia ambiental nasceu em setembro daquele ano, um dos meses secos do “verão amazônico”, um período de estiagem no sul da Amazônia ocidental no qual as queimadas urbanas e rurais sem controle não só destroem a fauna e a flora mas também colocam a saúde da população em risco por conta da poluição causada pela fumaça.

Procurada pela reportagem, a assessoria do governador Cameli informou que até novembro de 2022 a delegacia ambiental estará em funcionamento, com um delegado, um escrivão e seis agentes, e será estruturada a partir da contratação de novos policiais civis recrutados no último concurso público realizado, que aguardam convocação no chamado cadastro de reserva.

O governo informou que a sede da delegacia será na capital, Rio Branco, e só atenderá à cidade e ao seu entorno, mas que delegacias poderão ser abertas no interior, caso necessário. Dos três municípios que têm a maior taxa de desmatamento do Acre, Feijó, Tarauacá e Sena Madureira, apenas o último é vizinho da capital.

Miguel Scarcello, presidente da ONG SOS Amazônia, vê a promessa de criar uma delegacia ambiental em momentos de crise como um aceno para a comunidade local e para os financiadores internacionais de projetos de pagamento por compensação ambiental mantidos pelo estado. “Cameli passou quatro anos no mandato e não conseguiu atualizar o plano estadual de combate a incêndios e queimadas. A delegacia foi criada lá em 2019 e só agora vai de fato funcionar?”, questiona.

Para ele, as delegacias ambientais poderiam até criar conflitos jurídicos com as promotorias do Ministério Público especializadas no mesmo tema, que, em sua opinião, já contam com as estruturas necessárias para investigar e denunciar os infratores ambientais. Scarcello argumenta que uma ação mais eficaz seria levar assistência técnica e extensão rural aos produtores para que eles possam deixar de fazer o uso do fogo.

“O Estado também já conta com um Batalhão de Polícia Ambiental [BPA], que, mesmo com todas as limitações, faz um bom trabalho de repressão. Em vez de criar uma delegacia, deveria fortalecer o BPA com mais pessoal e equipamentos. Aí, sim, teríamos melhores resultados”, afirma Scarcello.

Essa reportagem faz parte do projeto Mentira Tem Preço – especial de eleições, realizado pelo InfoAmazonia em parceria com a produtora Fala. A iniciativa é parte do Consórcio de Organizações da Sociedade Civil, Agências de Checagem e de Jornalismo Independente para o Combate à Desinformação Socioambiental. Integram a iniciativa o InfoAmazonia, a produtora Fala, o Observatório do Clima (Fakebook), O Eco, A Pública, Repórter Brasil e Aos Fatos.

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