O Ministério Público Estadual (MPE), por meio do promotor de Justiça Mauro Zaque, ingressou com ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra o Governo do Estado, a empresa 20/20 Serviços Médicos, o Fundo Estadual de Saúde e sete ex-secretários estaduais.
A ação, à qual o MidiaNews teve acesso em primeira mão, é resultado de investigações realizadas no âmbito da Operação Catarata, deflagrada em setembro de 2018 para investigar irregularidades em cirurgias oftamológicas realizadas na Caravana da Transformação, durante o governo Pedro Taques (PSDB).
A Caravana da Transformação foi o principal programa social da gestão de Taques, e chegou a ser acusada de ter cunho eleitoral.
Figuram no polo passivo da ação os ex-secretários estaduais de Saúde Eduardo Bermudez, Luiz Antônio Soares e João Batista Pereira da Silva; o ex-chefe da Casa Civil, José Adolpho de Lima Avelino Vieira; e três ex-adjuntos de Administração Sistêmica da Secretaria de Saúde: Wanderson de Jesus Nogueira, Maura Lopes de Souza e Florinda Lafaete da Silva Ferreira Lopes.
Na ação civil pública, cuja causa é avaliada em R$ 13,3 milhões, o MPE requer a responsabilização dos requeridos pelos danos ao erário causados durante a execução dos contratos 037/2016/SES/MT e 049/2017/SES/MT, firmados pelo Estado com a empresa 20/20.
É patente que os habitantes locais foram expostos a riscos incalculáveis, como perda da visão e até a morte. Não restam dúvidas que os atos ímprobos praticados acarretaram em graves prejuízos à população
Os contratos previam a prestação de serviços clínicos e cirúrgicos em unidades móveis assistenciais em todo o Estado.
Em sede liminar, o MPE pede pela indisponibilidade de bens dos ex-secretários até o montante de R$ 13.297.871,73, a suspensão de eventual execução do contrato 049/2017 – bem como de todos os pagamentos -, e que o Estado se abstenha de empenhar, autorizar, liquidar, pagar ou repassar por qualquer meio ou fonte, recursos públicos para suprir o referido contrato.
Além disso, solicita à Justiça que determine à Secretaria de Estado de Planejamento (Seplan) e à SES para que efetuem o bloqueio do orçamento disponível de 2019 referente ao contrato com a empresa até o julgamento da ação.
No mérito, o órgão ainda requer a anulação de ambos os contratos vigentes com a 20/20, a condenação dos ex-secretários por improbidade administrativa e ao pagamento de dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
“É patente que os habitantes locais foram expostos a riscos incalculáveis, como perda da visão e até a morte, pelo que não restam dúvidas que os atos ímprobos praticados pelos demandados acarretaram em graves prejuízos à população mato-grossense, expondo-os a diversos riscos relacionados à saúde”, pontuou na ação.
Prejuízos ao erário e à saúde
De acordo com o órgão, os prejuízos causados pela contratação da 20/20 já foram confirmados via auditoria feita pela Controladoria Geral do Estado e, na peça, são apresentadas outras ações já em curso em diferentes estados contra a empresa, por supostas irregularidades semelhantes às praticadas em Mato Grosso.
Uma ação já havia sido proposta pelo Ministério Público de Mato Grosso contra o Governo e a empresa 20/20 em agosto de 2018, por má fiscalização dos contratos.
Mayke Toscano/Gcom
O ex-governador Pedro Taques, durante a Caravana da Tranformação
O órgão desmembrou as investigações e afirmou que a nova ação visa “delimitar os danos causados ao erário, seja pela não escolha de processo de licitação, e conseqüente direcionamento da requerida 20/20 Serviços Médicos, assim como o dano ao erário e enriquecimento ilícito de terceiros, por pagamentos de serviços não comprovados”.
“Sequelas graves”
Na ação, o promotor Mauro Zaque criticou a Caravana da Transformação, afirmando que além de não satisfazer o interesse social quanto ao cuidado com a saúde da população, causou “seqüelas graves” às pessoas carentes atendidas, em razão da prestação de “serviços de saúde com qualidade suspeita e sem a devida fiscalização por parte do Estado”.
Zaque citou, no documento, o caso de um paciente que ficou com graves seqüelas após ser submetido a uma cirurgia de catarata na Caravana e que, mesmo após passar por nova intervenção cirúrgica em São Paulo, continuou praticamente cego. Hoje, ele tem apenas 2% da visão do olho operado.
“E tantos outros casos foram noticiados que deixaram inúmeros pacientes cegos, e outros inúmeros casos de pacientes, com complicações graves, que são atendidos na rede e outros que chegam diariamente aos balcões da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso e a própria Secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso seja através de suas unidades de saúde, seja demandando contra o Estado buscando seus direitos”, pontuou.
Conforme o promotor, o Estado de Mato Grosso, “via injustificável inércia, descaso maiúsculo e ou incompetência crônica”, permitiu que houvesse grave dano ao erário.
“E, pior, dando causa a severo comprometimento da saúde de parcela considerável da população, notadamente aquelas pessoas mais necessitadas, humildes e carentes, merecendo tal hipótese a pronta atuação para correção da ilegalidade pelo Poder Judiciário”, argumentou.
Caravana da Transformação
É ressaltada na ação que foram realizadas 14 edições da Caravana da Transformação, alcançando um custo total na ordem de R$ 69,8 milhões.
“O carro-chefe da caravana foram as cirurgias de catarata e a maior parte do custo foi com procedimentos oftalmológicos, num total de R$ 48,2 milhões (de um total contratual previsto na ordem de mais de R$ 50 milhões)”.
O MPE citou, ainda, que os relatórios do governo no Portal Transparência apontam a realização de mais de 620 mil procedimentos e 66 mil cirurgias.
Segundo o Governo, como os pacientes das consultas e cirurgias realizam diversos exames, a soma dos procedimentos acaba sendo várias vezes maior que o de cirurgias – o que é apontado como “falha no controle de produção e faturamento” na ação.
Fonte/Foto: Midia News