Ministério Público do Estado instaura inquérito civil para apurar denúncias contra o Instituto de Análises Clínicas (Inac) por fraudar exames, recebendo por aquilo que não foi efetivamente realizado, e por conflito de interesses com médicos e clínicas. O caso, inclusive, já é discutido na Justiça uma vez que o Inac acionou a Unimed Cuiabá após o rompimento do contrato.
De acordo com a Unimed, não é possível dimensionar o tamanho do prejuízo uma vez que só com os clientes reclamando é que se torna possível a comprovação da fraude. Mas a empresa afirma que o prejuízo, seja qual for, afeta todos os clientes, uma vez que as despesas são inseridas nos cálculos dos reajustes. As fraudes ocorreram em planos de coparticipação e dos 209 mil clientes, 91% têm este plano.
Portaria publicada pelo MPE no dia 4 deste mês, que instaurou o inquérito civil público, destaca que o objetivo é “apurar denúncias de irregularidades graves praticadas pela empresa Instituto de Análises Clínica (Inac) e que são densamente lesivas aos usuários do plano de saúde Unimed Cuiabá”.
A primeira conduta a ser investigada é a “maximização ilícita de proveito econômico”. Na condição de laboratório credenciado pela Unimed Cuiabá, de forma recorrente, o Inac teria burlado o sistema da operadora do plano de saúde para incluir, indevidamente, exames não solicitados pelos usuários do plano. De acordo com a denúncia recebida pelo MPE, a fraude foi identificada em exames fictícios que teriam sido coletados sob forma domiciliar, onde há dispensa da prévia prescrição médica.
O segundo ponto em investigação é a “dispersão de postos de coleta em clínicas com vinculação do pagamento de aluguel ao número de amostras analisadas”. O Inac teria instalado diversos pontos de coleta em clínicas da Capital e o pagamento pelos espaços ocupados seria feito pela quantidade de análises enviadas ao laboratório. A denúncia aponta que esta parceria teria incentivado a prescrição anômala e indiscriminada de exames pelos proprietários das clínicas.
“Os fatos, se efetivamente comprovados, atingem e cerceiam direitos básicos dos consumidores contra métodos comerciais desleais, passíveis de reparação patrimonial e moral já que penalizam o conjunto de usuários, seja os aderentes aos planos de coparticipação, onde o portador inadvertidamente se sujeitou ao pagamento de exames não realizados, seja nos planos coletivos em razão do aumento das sinistralidades que, em igual medida, se projeta na elevação indevida por reajuste contratual”, diz trecho da portaria que instaurou o inquérito.
Há ainda a acusação de indução à solicitação atípica de exames, aqueles que não são comuns na rotina.
Na Justiça
A ruptura do contrato da Unimed com o Inac ocorreu no dia 23 de julho deste ano, 90 dias após o laboratório ser notificado. Entretanto, uma semana antes, no dia 16 de julho, o Instituto já havia ajuizado uma ação pedindo o restabelecimento do contrato além de indenização por dano moral. A primeira liminar foi negada para o Inac no dia 18 de julho. Juiz substituto da 11ª Vara Cível de Cuiabá, Carlos Roberto Barros de Campos, ressaltou que o contrato, celebrado entre as partes, prevê consta a possibilidade da Unimed rescindi-lo, mediante denúncia, desde que haja notificação prévia, e que isso foi feito no dia 22 de abril.
A defesa do Inac pleiteou a reconsideração acerca da decisão e, no dia 26 de julho, nova liminar foi negada, desta vez pela juíza titular da Vara, Olinda de Quadros Altomare Castrillon. “Em que pese os argumentos e documentos utilizados pela parte autora, entendo que os mesmos não são suficientes para alterar a decisão proferida, haja vista que não houve a apresentação de documentos que modifiquem o convencimento do juízo”. Audiência de conciliação está marcada para o dia 5 de novembro deste ano.
Recurso
A terceira tentativa do Inac em manter o contrato em vigência também foi negada, desta vez no Tribunal de Justiça. Relator substituto, o desembargador Dirceu dos Santos manteve a decisão de 1ª instância na íntegra, apontando que o recurso não trouxe elementos suficientes que demonstrassem a plausibilidade do direito invocado e que a Unimed cumpriu com as determinações contratuais.
Na última terça-feira (17), a 3ª Câmara de Direito Privado iniciou o julgamento do mérito do recurso. A relatora, desembargadora Antônia Siqueira Gonçalves, votou pela concessão da tutela, o que obriga a Unimed a retomar o contrato. Foi seguida pelo desembargador Dirceu dos Santos, que mudou de opinião. O desembargador José Zuquim, no entanto, afirmou não estar convicto sobre a situação e pediu vista. O processo retorna ao pleno no dia 2 de outubro. Caso Zuquim vote contrário à desembargadora, os outros dois votos podem ser revistos.
Defesa em plenário
A Unimed destacou, durante julgamento do recurso no TJ, que a ação é de interesse coletivo uma vez que não afeta apenas a Unimed mas, principalmente, todos os clientes.
Segundo a Unimed, o Inac atende 1/3 dos pacientes atendidos pelo maior laboratório do Estado. E o custo por paciente sai por R$ 230 no maior laboratório e R$ 380 no Inac. A cooperativa enfatiza que agiu de acordo com a prerrogativa contratual, que pode rescindir o contrato a qualquer tempo, desde que notificando com um prazo de antecedência.
A Unimed afirma que possui hipersuficiência da rede e abriu dois novos postos para suplementar a rede que foi excluída, não havendo risco de prejuízos aos clientes, como apontado pelo Inac.
Outro lado
Ex-governador de Mato Grosso, José Pedro Taques, advoga para o Inac e fez a defesa do instituto durante sessão. Com 3 liminares contrárias aos pedidos de anulação da decisão unilateral do plano de saúde, Taques iniciou a defesa oral afirmando ser “uma honra, como jovem advogado, 5 meses com carteira da Ordem, fazer sustentação oral diante do Tribunal de Justiça de Mato Grosso” onde sempre foi “muito bem tratado” enquanto ocupava os cargos públicos e “hoje como advogado”.
Relatou a história do laboratório, destacando que era um simples instituto no CPA e hoje, 10 anos depois, se tornou o 2º maior laboratório de Mato Grosso, realizando cerca de 100 mil exames por mês.
Taques enfatizou que o Inac fez vários investimentos, em torno de R$ 1,5 milhão, para atender a demanda da Unimed pois com a renovação do contrato no ano passado criou a “perspectiva da continuidade”.
Afirmou que os argumentos da cooperativa não podem subsistir, afirmando que as denúncias estão baseadas em dois e-mails de 2018, antes da renovação do contrato. Enfatiza que houve sim a reclamação destes pacientes mas o Inac foi acionado pela Unimed e fez as restituições. “A glosa foi feita. Isso não é normal em outros laboratórios?”, questiona. Também cobra o direito do contraditório e da ampla defesa que não teriam sido garantidos, apontando que a Unimed apenas comunicou o rompimento de um contrato de mais de 10 anos. “Fatos não demonstrados, não contrarrazoados. Ao nosso juízo, isso não se faz possível”.
“O que o Inac deseja é a manutenção deste contrato para que possamos passar o período de decantação da situação e demonstrar nos autos que trata-se de um instituto sério que não pode ser menoscabado”.
Fonte: Gazeta Digital | Foto: Chico Ferreira