Lembro-me da minha infância numa casa de taipa, onde as camas eram imbricadas na parede e o assoalho era de chão batido. A primeira cama de colchão de capim, em que me deitei foi comprada por mim aos 06 ou 07 anos de idade, com a féria de minha caixa de engraxate. Caixa essa que eu mesmo fabriquei e gostaria de tê-la guardado, como uma lembrança daquela época.
Não tinha sequer talheres. Comer era com a mão. Lembro-me de uma bacia, onde a comida era posta e colocada no chão batido e nós ao redor minorávamos a fome crônica e infindável. A minha mãe ficava sem comer para que nós, os seus filhos, dividíssemos o pouco que tinha.
Sair dessa condição era o desejo de toda a família. Muito tempo depois, mudamos para uma casa de adobe de onde não mais saímos. Tempos difíceis! Meu pai e minha mãe eram migrantes. A vida não é fácil para os que são forçados a viver em terras estranhas. A minha ojeriza à fome e às péssimas condições de vida vem dessa época. Fico inquieto, quando vejo pela televisão tanta gente tentando se refugiar. Não se esqueçam de que estamos aqui de passagem e todos nós, em algum momento da nossa ascendência, fomos estrangeiros. E sinto que a indiferença dos donos do mundo ainda é grande para acolher aqueles que não têm nada e somente sofrem.
A vida dos meus pais foi pior do que a minha e a dos meus filhos é muito melhor do que a minha. E vislumbro, desta ótica, que a da dos meus netos será melhor ainda
Além do mais, tanta gente que tem mais que o suficiente se nega a contribuir para minorar os males do mundo.
A insensibilidade é a mãe da miséria. O outro ao nosso lado merece, também, ter uma vida digna. Enfim, creio que tudo foi posto neste mundo para beneficiar a todos, mas a ganância de uns poucos aproveitadores se apossa de tudo e provoca tanta miséria.
Sei da nossa responsabilidade para com a continuidade da vida, pois este é um plano de evolução e já andamos muito desde o molusco que nos deu origem.
Lutei no meu canto e continuo batalhando para melhorar as condições humanas da vida neste mundo. Melhorou, acho que sim! Hoje passado tanto tempo não vejo grandes progressos, mas certamente que a vida tem melhorado e boa parte das pessoas alcança e continuará a alcançar os bens que foram colocados à disposição de todos. A vida dos meus pais foi pior do que a minha e a dos meus filhos é muito melhor do que a minha. E vislumbro, desta ótica, que a da dos meus netos será melhor ainda.
Gostaria dividir toda a riqueza do mundo com todos aqueles que passam necessidades. De sair das agruras do dinheiro contado e da comida regrada. De ter um trabalho bem remunerado, uma vida digna, uma casa decente e de visitar tantos lugares lindos pelo mundo afora! Seria muito?
P.S. O drama dos refugiados tem origem nos colonizadores europeus que dividiram, no passado, arbitrariamente o mundo, sem respeitar as limitações dos territórios habitados secularmente, provocando, ainda hoje, a cizânia e a diáspora nos países colonizados. E estes colonizadores se furtam em consertar os erros e equívocos históricos do passado. A questão migratória é apenas umas das cruéis consequências.
RENATO GOMES NERY é advogado.