Beijar uma pessoa sem consentimento, passar a mão nos órgãos genitais, cantadas invasivas e ejaculação em uma pessoa dentro do transporte público são alguns dos chamados comportamentos libidinosos que são punidos pela lei.
“Antes isso era considerado apenas uma contravenção penal. O sujeito pagava a multa e voltava para rua. Com a nova lei, o Código Penal foi alterado e essa prática é sujeita à pena de reclusão”, explica uma das autoras do projeto de lei, a deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP). Essa pena é de 1 a 5 anos de prisão, podendo ser estendida de acordo com a gravidade do ato.
Segundo o relatório “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizado em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os avanços são sentidos em pequena escala. Cinquenta e nove por cento dos participantes afirmaram terem visto uma mulher sendo abordada de maneira desrespeitosa ou sendo agredida em vias públicas nos 12 meses anteriores à pesquisa.
A queda desse percentual foi de apenas 7% se comparado aos números da primeira edição, divulgada em 2017. A pesquisa aponta ainda que no ano de 2018, em todo Brasil:
- 32,1% das mulheres receberam cantadas ou comentários desrespeitosos quando andavam na rua;
- 11,5% recebeu cantadas ou comentários desrespeitosos no trabalho;
- 7,8% foi assediada fisicamente em transporte público;
- 6,2% teve o corpo tocado agressivamente e sem consentimento em festas ou baladas;
- 5% foi beijada e/ou agarrada sem consentimento e à força em qualquer situação;
- 4% foi assediada fisicamente em transporte particular, como aplicativos de transporte;
- 3,3% sofreu tentativas de assédio sexual enquanto estavam alcoolizadas.
A criação da Lei de Importunação Sexual
Um outro tipo de violência sexual que se enquadra na nomenclatura da importunação é o de ejaculação em pessoas no transporte público. Na cidade de São Paulo, uma pesquisa da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) afirma que mais de 47% de mulheres já sofreram esse tipo de importunação sexual.
A Lei 13.718/2018 começou a ser esboçada depois de um homem ter sido preso em flagrante. Ele ejaculou em uma mulher dentro de um ônibus na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2017. O homem foi liberado em menos de 24 horas e, em menos de uma semana, foi acusado de estupro.
“Esse sujeito que provocou a minha indignação e repulsa. Em 2017 ele já havia sido detido 13 vezes por ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor. Isso me revoltou muito, não sosseguei até mudarmos o Código Penal”, afirma Renata.
O funcionamento da Lei de Importunação Sexual
Bianca Prado, delegada de Polícia Civil de Minas Gerais, afirma que a criação da Lei foi fundamental para que as vítimas se sintam mais seguras no momento de fazer a denúncia. “É importante para trazer segurança tanto no âmbito privado como público, preservando o direito de ir e vir sem ser violentada”, explica. “Também é dar um basta à cultura da objetificação dos corpos femininos, do sentimento de pertencimento ao masculino”, acrescenta a delegada.
Bianca afirma que autoridades já estão dando voz de prisão para quem viola a Lei de Importunação Sexual. Mas, de acordo com o relatório “Dossiê Mulher 2020”, divulgado pelo Instituto de Segurança Pública do governo do Rio de Janeiro (ISP) no dia 27 de setembro, o número ainda é escasso. A pesquisa atribui esta realidade ao desconhecimento por parte das autoridades.
De acordo com o texto, existem ocasiões em que o delito de ato libidinoso é configurado de maneira equivocada como casos cíveis de menor complexidade, pela Lei 9.099/1995, no início da denúncia. Dessa forma, o crime é considerado “como de menor potencial ofensivo”. “Tal conduta revela o desconhecimento referente ao novo crime de importunação sexual”, aponta a pesquisa.
O criminalista Leonardo Pantaleão, especialista em Direito e Processo Penal, afirma que autoridades têm o dever de aplicar a lei corretamente em caso de denúncia de atos libidinosos. Caso contrário, elas próprias devem ser responsabilizadas criminalmente.
Apenas a sanção da lei pode resolver o problema?
Maíra Zapater, professora, Doutora em Direitos Humanos (Faculdade de Direito da USP) e especialista em Direito Penal e Processual Penal (Escola Superior do Ministério Público de SP), faz um contraponto à lei. Ela argumenta em texto no relatório Visível e Invisível, da FBSP, que as falhas de aplicação e manutenção da lei acontecem devido ao seu próprio planejamento.
A doutora argumenta que a lei surgiu para “atender o clamor popular”, que ocorreu após a repercussão dos casos, mas sem suporte empírico, o que dificulta, por exemplo, a contabilização das vítimas. Além de uma lei, ela aponta para a necessidade de criação de políticas públicas para garantir a implementação e conseguir controlar o problema na sociedade, antes mesmo do crime chegar a acontecer.
“[…] Há demandas sociais por criminalização de condutas que representam conflitos sociais, ou por maior rigor na aplicação e execução de penas de prisão. […] Tudo isso partindo da premissa de que ‘acabar com a impunidade’ (ou seja, punir mais) tenha esse efeito psíquico no processo mental das pessoas quando estas decidem por praticar ou não uma conduta”, argumenta Maíra.
Quando devo recorrer à Lei de Importunação Sexual?
Pantaleão afirma que muitas mulheres não denunciam os crimes por vergonha ou até mesmo por medo de conduzir o ocorrido às autoridades. No entanto, é essencial que elas o façam.
“A partir do momento que a mulher se inibe e não comunica o ato, ela acaba indiretamente contribuindo para a impunidade. Isso significa que a própria pessoa ou outras podem ser vítimas dessa conduta novamente devido à ausência de punição do criminoso”, ressalta o criminalista.
Ainda segundo Pantaleão, é necessário encorajar mulheres a falarem sobre o ocorrido e não terem medo de reportar. O especialista sugere que propagandas e campanhas sobre o assunto estejam sempre em circulação para que o crime seja identificável facilmente, seja pela própria vítima ou por possíveis testemunhas.
A denúncia de importunação sexual pode ser realizada pelo Disque Denúncia (180) ou diretamente pela Polícia. Renata afirma que as vítimas também devem solicitar investigação do caso junto ao Ministério Público com base na Lei 13.718/2018, logo após o registro da ocorrência. “Não fique em silêncio, a lei é para isso”, encoraja a deputada federal.
Fonte: IG Mulher