É preciso mais que combater a corrupção

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A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, ao anunciar o resultado das contas públicas no ano passado (Foto: Laís Lis / G1)

Por Helio Gurovitz

A agenda de combate à corrupção toma conta do noticiário à medida que o país aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Infelizmente, e é triste ter de reafirmar isso, ela é insuficiente para pôr o Brasil na rota de crescimento desejável para erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade e aumentar a produtividade.

Não se pode, naturalmente, diminuir a relevância das iniciativas contra a corrupção, em especial da Operação Lava Jato. A Petrobras reconheceu em seu balanço perdas de R$ 6 bilhões, desviados por corruptos. Ao todo, a Lava Jato recuperou um recorde de R$ 11,5 bilhões que haviam sido roubados. Só o gerente Pedro Barusco devolveu R$ 290 milhões aos cofres públicos.

Mas, apesar desses números superlativos, a corrupção é apenas um entre tantos outros fatores que drenam recursos do governo e prejudicam nossa economia. Não há estimativas confiáveis para os valores desviados – elas vão de 1% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), dependendo do humor da fonte consultada.

Basta comparar tais números com o total do Orçamento da União para entender que, em termos econômicos, os recursos sugados da sociedade dentro da lei são bem mais significativos que aqueles desviados fora da lei.

O crescimento nas despesas do governo tem superado o crescimento do PIB há duas décadas. De acordo com o relatório do Tesouro Nacional divulgado na semana passada, enquanto o PIB cresceu em média 2,4% ao ano no período, os gastos públicos cresceram 5,3%.

Ao longo do tempo, a diferença no ritmo de crescimento é assustadora. Chega ao triplo: a economia gera 60,6% a mais em riquezas, mas os gastos do governo são 180,4% maiores do que eram 20 anos atrás. Como proporção do PIB, eles cresceram 54% no período.

Nada disso corresponde a dinheiro desviado por corruptos. Ao contrário. São despesas perfeitamente legais, boa parte delas garantidas pela Constituição. Os benefícios previdenciários aumentaram 245,4%. Gastos com pessoal e encargos, 106,2%. Despesas obrigatórias, 529,2%. Nos últimos 20 anos, em apenas 4 houve redução real nas despesas (nas previdenciárias, em nenhum).

Não é uma coincidência que, desde 2014, o país tenha registrado déficit primário em suas contas, nem que a dívida pública tenha chegado a assombrosos 74% do PIB, percentual que põe em risco nossa credibilidade no mercado internacional.

Somando o déficit do governo (1,9% do PIB em 2017) ao pagamento de juros, total conhecido entre os economistas como “resultado nominal”, o país gastou no ano passado 7,8% de tudo o que produz. É um resultado melhor que em 2015 (10,2%) ou 2016 (9%). Deverá cair ainda mais graças ao arrefecimento da inflação e da consequente derrubada nas taxas de juros.

Ainda assim, é um valor muito além do tolerável para uma economia que precisa investir para crescer. A taxa de investimento tem caído ano após ano e atingiu, em 2017, o vale histórico de 15,6% do PIB. Para que o país tivesse uma velocidade de crescimento razoável, superior a 3% anuais, ela precisaria estar em torno de 25%.

A corrupção é como um parasita que se aproveita da fraqueza do Estado para sugá-lo. Além dos contratos de empresas estatais como Petrobras ou Eletrobras, o mecanismo preferido usado por empresas flagradas na Lava Jato, como Odebrecht ou JBS, é o financiamento por meio das taxas camaradas do BNDES.

A mudança recente nas taxas de juro de longo prazo do banco será, portanto, um enorme desincentivo a essa modalidade de rapina, que custou R$ 523 bilhões entre 2008 e 2015. Mas também ela empalidece diante de um Orçamento com despesas anuais de 1,3 trilhão ou da dívida pública de R$ 4,8 trilhões. O mais desesperador é que a maior parte dessas despesas é obrigatória.

O relatório do Tesouro traz indicadores de rigidez orçamentária que classificam os gastos em cinco grupos. Só os garantidos pela constituição, sem nenhuma possibilidade de contingenciamento (como Previdência, pessoal, saúde, educação, Bolsa Família e transferências legais) somaram, em 2017, 93,7% das despesas (eram 90,7% há dez anos). Mais preocupante, eles superaram em 2,4% as receitas recorrentes. Ao todo, os gastos do governo ficaram 11,9% acima dessas receitas.

O crescimento descontrolado dos gastos públicos é uma realidade que não poderá ser ignorada pelo próximo governo. Por mais que a agenda anticorrupção tome conta da campanha eleitoral e que seja essencial para o país, será insuficiente para garantir o bem-estar da população. Sem uma reforma profunda que torne o tamanho do Estado brasileiro compatível com o que a sociedade produz – mexer na Previdência é só o começo –, continuaremos a patinar.

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