Em tempos de recursos escassos e despesas descontroladas, buscam-se os culpados para o
colapso das finanças do Estado de Mato Grosso.
No lado das despesas, a bola da vez é a folha de pagamentos dos servidores públicos
estaduais. Em relação à receita, o tema mais comentado é o incentivo fiscal. Sobre o badalado
ponto da receita é que quero abordar algumas questões que considero importante esclarecer.
Até algum tempo atrás, pouco conhecido de grande parte da população, até mesmo de parte
da imprensa (principalmente a não especializada em assuntos econômicos), e,
surpreendentemente, pouco debatida na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso
(vide a evolução da previsão da renúncia fiscal nas leis orçamentárias), o incentivo fiscal
passava desapercebido.
As concessões de incentivo fiscal eram ignoradas por quase todos; poucos se preocupavam
com o volume de recursos que deixariam de ingressar aos cofres públicos, ou quais os critérios
para seleção das empresas que alcançariam tamanha benesse, ou qual o percentual sobre o
ICMS devido e por quanto tempo certas empresas seriam agraciadas. Na prática, os poucos
que se interessavam sobre incentivo fiscal eram aqueles envolvidos na concessão: as empresas
beneficiadas e os agentes públicos que participam do processo.
O maior programa de incentivo fiscal do Mato Grosso é o PRODEIC. Esse programa foi
instituído pela lei nº 7.958, de 25/09/2003, como uma “evolução” ao programa PRODEI, o qual
existia desde 1988. Com essa “evolução”, os benefícios foram generosamente ampliados:
resumidamente, o que antes era a postergação de impostos, se tornou “perdão” de impostos.
Segundo dados do Portal da Indústria
(http://perfildaindustria.portaldaindustria.com.br/estado/mt), a indústria é responsável por
R$ 18,3 bilhões no PIB mato-grossense, emprega mais de 138 mil trabalhadores e arrecadou
R$ 300 milhões de ICMS em 2017.
Não obstante a renúncia de mais de R$ 7 bilhões ao longo de 6 anos (2012-2017),
considerando apenas as empresas ativas integralmente no PRODEIC em 2017 (total de 258
empresas), a participação da indústria no PIB mato-grossense encolheu 0,5%, entre 2006 e
2016, segundo dados do Portal da Indústria.
Também os dados sobre a geração de empregos nas empresas incentivadas revelam que a
política de incentivos fiscais merece ser revista: entre 2012 e 2017, 258 empresas aumentaram
o seu quadro de funcionários em apenas 468 vagas, frente aos 7 bilhões que deixaram de
pagar, segundo relatório da Controladoria Geral do Estado.
Problemas relacionados aos investimentos das empresas beneficiadas pelo PRODEIC também
se tornaram conhecidos nesse relatório: avaliando apenas o ano de 2017, dos quase R$ 1,8
bilhão em investimentos prometidos pelos beneficiados, apenas 24% foram efetivamente
realizados.
Quando da concessão de cada um desses incentivos, quais vantagens para o Estado de Mato
Grosso foram apresentadas? Era conhecido o valor do ICMS que cada empresa deixaria de
pagar? Era conhecido o valor que Mato Grosso iria ganhar concedendo o benefício? Onde está
essa conta?
As estimativas apresentadas no estudo divulgado pela FIEMT, no qual o ganho para o Estado
seria na proporção de 1 parar 1,25, demonstram-se otimistas demais. Afinal, com a geração de
empregos esperados e a realização dos investimentos pactuados sendo tão aquém do previsto,
como ainda assim alcançaria esse resultado tão expressivamente favorável ao Estado?
Mas, no afã de defender a concessão de incentivos, o representante da FIEMT cravou: são R$ 9
bilhões a mais. Não entendi. R$ 9 bilhões? Muita calma nessa hora. Ainda que essa proporção
fosse verdadeira, o Estado teria ganhado aproximadamente R$ 2 bilhões, em 6 anos. Pois, se
ganhou 9 e perdeu 7, sobraram 2, certo? E esse número ainda merece outras ressalvas.
Analisemos.
Na apuração do provável retorno dos reais que o Estado abdica, é preciso que os
multiplicadores ou índices aplicados no estudo estatístico sejam próprios para o local
estudado, no caso Mato Grosso, ou seja, é necessário desenvolvê-los a partir da realidade
daqui, considerando as características do mercado consumidor e economia local, e não na dos
Estados Unidos ou da Europa.
Além disso, para cálculo da apuração dessa proporcionalidade defendida pelo representante
da FIEMT, o número de empregos gerados pelas empresas incentivadas, no ano de 2017, foi de
45.862, conforme estudo divulgado pela FIEMT. No entanto, demonstrou-se que a geração de
empregos foi de pouco mais de 1% desse montante. Ainda assim a proporção de 1 para 1,25 se
sustentaria?
Mesmo que com certa precariedade, hoje, alguns desses dados são públicos. É o momento de
se rediscutir a pertinência da maneira como os incentivos fiscais estão sendo concedidos.
Mas ainda há muito a se melhorar em relação à transparência. Hoje se publica uma lista com
as empresas inseridas no PRODEIC. Porém, além de conhecer quem são os beneficiados, é
preciso saber o porquê de eles serem beneficiados e qual o valor renunciado. Respostas a
simples perguntas solucionariam esse problema: quais as vantagens que o Estado de Mato
Grosso está auferindo? Qual o percentual sobre o ICMS devido a empresa será beneficiada?
Qual é o impacto financeiro sobre as contas do Estado? Garantir a transparência desse
processo é essencial para o seu sucesso.
Outro ponto merece ser destacado.
Segundos dados da Secretaria de Estado de Fazenda, pouco mais de 400 empresas estão
incluídas no PRODEIC. Segundo dados do Portal da Indústria, existem 8.841 empresas
industriais no Estado de Mato Grosso. A princípio, menos de 5% das indústrias estariam
incentivadas.
Se o incentivo fiscal é tão benéfico para o Estado, por que apenas 5% (ou menos) das empresas
detêm tal privilégio? Por que apenas algumas poucas privilegiadas são escolhidas? Como as
outras 95% se mantêm ativas? Não seria mais coerente rever a carga tributária para todos? Ou
para alguns setores?
O PRODEIC funciona com a concessão de incentivos de maneira individual, mas não por setor.
E ao se incentivar apenas algumas empresas e outras não, cria-se uma anomalia no mercado. A
incentivada tem menores custos relacionados com a carga tributária em comparação aos seus
concorrentes, levando uma larga vantagem competitiva. Naquele cálculo do retorno sobre o
valor renunciado, foi considerado o fato de que algumas empresas não incentivadas podem
fechar?
É inegável que a indústria contribui como grande geradora de riquezas do país e em Mato
Grosso. Mas, para tanto, é necessário que à frente das empresas desse importante setor
existam gestores competentes e comprometidos, que as façam mais eficientes e competitivas.
Ainda mais em tempos do mundo globalizado. Sob pena do valor renunciado ser
exclusivamente destinado para engordar os lucros do proprietário, sem retorno para o Estado.
É inegável, também, que Mato Grosso tem algumas desvantagens, principalmente
relacionadas à logística e mão de obra, frente a alguns estados da nossa Federação, em
especial àqueles mais desenvolvidos e localizados mais próximos do Atlântico. Questões como
a distância dos grandes centros, a mão de obra escassa e com baixa capacitação, o custo da
energia elétrica, a precária malha rodoviária que nos liga ao restante do país são recorrentes
argumentos para justificar que o setor industrial merece um tratamento fiscal diferenciado. A
maioria dessa lamúria realmente encontra sustentação. Mas até que nível? É preciso jogar luz
nesse assunto que permanece obscuro há muitos anos.
Dizem que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. O incentivo fiscal pode ser um
excelente artifício para o incremento de receitas tributárias do Estado de Mato Grosso, a
promoção da geração de empregos e da distribuição de renda, o fomento do desenvolvimento
de tecnologias, a oportunidade para a capacitação da mão de obra, enfim, alavancagem do
crescimento econômico e social da sua região, a partir do investimento do particular.
Para tanto, a concessão do incentivo deve ser uma conta de ganha-ganha. Ou seja, o industrial
ganha ao pagar um valor menor de tributos e viabilizar o seu negócio, e o Estado ganha com o
aumento da sua arrecadação e com o aquecimento de sua economia e também com a
melhoria da qualidade de vida e renda de sua população, mediante os empregos gerados e o
investimento realizado.
Enfim, não demonizemos, nem endeusemos o incentivo fiscal. Façamos estudos técnicos e
isentos de ideologias, partidarismo ou corporativismo para melhor entendermos e
manejarmos esse mecanismo enquanto promotor de desenvolvimento, o utilizando com
responsabilidade e, sempre, prevalecendo o interesse público.
Sérgio Antônio Ferreira Paschoal é servidor público.