Enfim parece que a rota da ferrovia em Mato Grosso volta a passar por Cuiabá. Tento explicar. A partir da virada deste século passou a ser divulgada a falsa ideia de que Cuiabá não teria carga que justificasse uma ferrovia. Uma questão até então indiscutível por ser tão evidente tratando-se Cuiabá de um distante polo regional consumidor e distribuidor de bens trazidos das regiões Sul e Sudeste do país para uma ampla região envolvendo todo o território estadual e mais Rondônia, Acre, sul do Pará e do Amazonas, além do nordeste boliviano. Acrescente-se que desde a antiga Política de Integração Nacional, com seus programas especiais de desenvolvimento, havia a convicção de que em breve a região seria grande produtora agrícola, o “celeiro do mundo”, completando o ciclo das cargas de ida e de volta viabilizadoras dos trilhos. A ferrovia na época não era pensada só como uma esteira para levar produtos primários, mas em especial para trazer o desenvolvimento a custos econômicos e ambientais menores.
Não se trata mais de sonho, nem de folclore ou piada, mas de carga concreta, e muita, que as empresas têm interesse econômico objetivo em transportar e que reanima as forças vivas interessadas até então desalentadas
A força de Cuiabá criou então o ainda atual projeto Ferronorte, dos saudosos Domingos Iglésias e Vicente Vuolo, e arrancou a ferrovia dos barrancos paulistas trazendo-a até Rondonópolis. Só que em certo momento essa atratividade passou a ser desacreditada, até ao ponto de ser incutida na cabeça do mato-grossense e de suas lideranças que Cuiabá não gerava cargas para uma ferrovia, transformando o grande projeto em sonho, folclore e até piada. O efeito mais perverso dessa mentira, hoje seria uma “fake-news”, foi o entorpecimento das forças favoráveis ao projeto da Ferronorte, sintetizador dos macro-objetivos de integração e fortalecimento do estado como grande produtor e grande encontro continental intermodal de caminhos tendo Cuiabá como principal polo de articulação. Hoje os projetos mais avançados nas mesas oficiais têm objetivos diametralmente opostos, excluindo Cuiabá e com ferrovias extratoras de matéria-prima para beneficiamento externo, exportando também as chances de agregação de renda e geração de empregos de qualidade no próprio estado. Mas a história muda.
E o que teria mudado? Primeiro, a empresa que assumiu a concessão remanescente da antiga Ferronorte tem uma subsidiária especializada em transporte de cargas “containerizadas” diversas, cargas estas que recolocam os trilhos no rumo de Cuiabá. Essas empresas desmascararam a grande mentira que entorpecia as forças pela ferrovia em Cuiabá ao informar em alto e bom som que as cargas dirigidas para a Grande Cuiabá para consumo e redistribuição regional giram em torno de 20 milhões de toneladas/ano! Só para comparação, é o mesmo que toda a produção de grãos de Goiás no ano passado e maior que a de Mato Grosso do Sul que foi de 16 milhões de toneladas. Não se trata mais de sonho, nem de folclore ou piada, mas de carga concreta, e muita, que as empresas têm interesse econômico objetivo em transportar e que reanima as forças vivas interessadas até então desalentadas.
Outro fato importante é o andamento acelerado da chamada Ferrogrão, a ferrovia partindo de Sinop em direção aos portos do Pará, e que de imediato sinaliza para uma competição em termos das cargas que hoje chegam ao maior terminal ferroviário da América Latina, em Rondonópolis. Daí o interesse da empresa concessionária, também proprietária do terminal, em chegar com seus trilhos a Nova Mutum, aproximando-se do centro produtivo do agronegócio no Médio-Norte mato-grossense, com Cuiabá no meio do caminho. Dois importantes fatos, concretos e objetivos, que recolocam Cuiabá no rumo da ferrovia desafiando desde já seus gestores a prepará-la urbanisticamente de forma a otimizar as potencialidades do tão esperado empreendimento.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS é arquiteto e urbanista, conselheiro do CAU/MT, acadêmico da AAU/MT e professor universitário aposentado.