Pelo menos 3.737 candidatos registraram doações para a própria campanha em valor superior ao patrimônio declarado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quase todos esses candidatos (97%) declaram não ter qualquer patrimônio apesar de terem colocado dinheiro na própria campanha.
O levantamento feito pelo G1 mostra ainda que as diferenças entre autodoação e patrimônio chegam a R$ 45 mil.
Especialistas lembram que as doações não são consideradas ilegais, mas levantam indícios de irregularidades nas declarações de patrimônio dos candidatos.
A professora da PUC Minas Virtual e assessora jurídica no TSE Lara Ferreira lembra ainda que a resolução 23.609 de 2019 do TSE exige dos candidatos uma “relação atual de bens” – ou seja, a relação de bens existentes no momento do registro de candidaturas.
“A rigor, se ela tem dinheiro na poupança ou em investimentos, ela deveria ter relacionado esses recursos financeiros também no momento do registro de candidatura”, diz a professora. Ela lembra, porém, que o candidato pode “ter tido uma compreensão inadequada da norma” ou pode ter feito um empréstimo para colocar dinheiro na própria campanha, e que não necessariamente se trata de algo ilícito.
“Mas será um elemento que, com certeza, chamará a atenção na prestação de contas e que levantará questionamentos por parte da Justiça Eleitoral”, destaca.
O cientista político Bruno Schaefer, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma ainda que o patrimônio desses candidatos pode estar no nome da esposa ou do marido. Outra hipótese é que o candidato não tenha declarado todos os bens ou pode ter declarado o bem com valor abaixo da realidade.
“A declaração de bens é uma autodeclaração, não tem o mesmo rigor da declaração do Imposto de Renda, que também é uma autodeclaração. Mas a Receita tem um sistema muito mais eficiente de fiscalização. Até agora não existe um cruzamento entre Receita e o TSE. Por exemplo, esse candidato pode declarar que tem patrimônio de R$ 6 mil, mas a gente não sabe quanto ele declarou para a Receita, porque o dado da Receita é sigiloso”, diz.
O candidato a vereador André Fraga (PV), que disputa as eleições em Salvador, doou R$ 45 mil do próprio bolso para a campanha. Ao mesmo tempo, Fraga declarou não ter qualquer patrimônio. Em nota, Fraga diz que o dinheiro é resultado de economias e do planejamento para ser candidato nestas eleições.
“Faço todas as minhas declarações de renda regularmente, e o valor doado corresponde às minhas economias. Considerando que não possuo nenhum patrimônio, eu não poderia ter economizado ou doado recursos? Moro na casa de meus pais. Decidi ser candidato há algum tempo. Eu me planejei, economizei e doei”, afirma.
O candidato Luís Sobral (PSD), que tenta uma vaga de vereador em São Paulo, declarou um patrimônio de R$ 6,7 mil. Porém, ele injetou R$ 30 mil do próprio bolso na campanha. A diferença entre os valores é de R$ 23,3 mil.
A nota enviada por Sobral diz: “A doação feita à campanha provém da minha renda, fruto da minha atividade regular como empresário e consultor”. O candidato afirma ainda que o patrimônio declarado ao TSE é o de 31 de dezembro de 2019. “Após 20 anos de serviço público, não tenho bens acumulados, como mostra a declaração apresentada. A mesma legislação eleitoral estabelece como limite de doação própria 10% do teto de gastos para campanhas a vereador na cidade de São Paulo. Por essa regra, eu poderia doar até R$ 367 mil. Doei R$ 30 mil, valor que economizei ao longo de 2020 com muito esforço. Sugerir qualquer suspeita sobre esta doação é uma injustiça irreparável, além de uma interferência totalmente indevida na disputa eleitoral’, diz a nota.
O candidato Ernane Aleixo (PSDB), que concorre à reeleição ao cargo de vereador em São João de Meriti (RJ), colocou R$ 23,2 mil em recursos próprios na campanha. Aleixo informou não ter qualquer patrimônio. O candidato foi localizado, mas não quis se manifestar.
Já a candidata Rhalessa de Clênio (PTB) disputa a reeleição para a Câmara Municipal de Parnamirim (RN) e informou ter colocado R$ 21 mil na própria campanha. Ao TSE, porém, ela declarou não ter qualquer patrimônio. Em nota, a advogada de Rhalessa afirma que “a candidata não possui bens, sendo esta a mais pura e límpida verdade”. O texto diz ainda que o valor da doação é compatível com os rendimentos da vereadora. “Por fim, vale ressaltar que a doação é lícita e totalmente regulamentada pelas normas eleitorais.”
O candidato a prefeito André Gomes (PDT), que busca renovar o mandato em Boa Vista (PB), injetou R$ 21 mil em recursos próprios na campanha. Ele declarou não ter qualquer patrimônio. Em nota, Gomes diz que o dinheiro vem de duas fontes: o salário de prefeito e também um empréstimo de R$ 27,5 mil feito junto à Caixa Econômica.
Como funciona o financiamento de campanha pelas regras atuais? O vídeo abaixo explica:
O candidato Júlio Pimenta (MDB), que tenta a reeleição à Prefeitura de Ouro Preto (MG), doou R$ 50 mil do próprio bolso para a campanha. Segundo o TSE, ele declarou não ter patrimônio. Em nota, a assessoria de Pimenta afirma que já pediu a correção dos dados para a Justiça Eleitoral e que aguarda a atualização do patrimônio do candidato. Segundo um arquivo enviado pela assessoria, Pimenta tem um patrimônio de R$ 1,2 milhão.
“Esclarecemos que, por um erro do sistema Candex, do Tribunal Superior Eleitoral, não constou da página inicial do DivulgaCand a declaração de bens do candidato Júlio Pimenta. Já peticionamos para que a informação seja corrigida no sistema, mas ainda não houve uma resposta da Justiça Eleitoral”, diz a nota.
CUIABÁ
O candidato Demilson Nogueira (PP), que concorre a vereador em Cuiabá, doou R$ 50 mil para a própria campanha. Segundo o TSE, o patrimônio declarado de Nogueira é de R$ 10,3 mil. Em nota, a assessoria do candidato diz que já pediu a correção dos dados ao TSE em 26 de setembro e afirma que houve um “erro de digitação no momento da inserção de dados do candidato no sistema Candex”. “O pedido de retificação foi feito à Justiça Eleitoral, mas ainda não foi alterado.”
Fonte: G1 MT