Por Julio Wiziack, Julia Chiab e Thiago Resende |O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou, nesta quinta-feira (1º), que os juros voltarão a subir no país se o governo abrir mão do que chamou de arcabouço vigente.
As declarações foram dadas em um evento do banco JPMorgan.
A fala foi interpretada como um alerta contra o uso de precatórios -dívida da União reconhecida pela Justiça- e de parte do Fundeb (fundo da educação) no financiamento do Renda Cidadã ou qualquer outra manobra que, na prática, signifique o estouro do teto de gastos ou o aumento de dívida.
A regra limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior.
A equipe econômica e a ala política vêm debatendo uma saída para financiar o programa. O impasse persiste desde segunda-feira (28), quando foi anunciada a ideia de usar precatórios e parte do Fundeb.
Em uma sessão de perguntas e respostas, Campos Netto explicou que a manutenção do teto seria muito importante para a preservação do atual regime fiscal.
Segundo participantes, o presidente do BC afirmou ainda que qualquer solução criativa seria interpretada como estouro do teto.
Nesse impasse em torno de onde cortar despesas para viabilizar o Renda Cidadã, a equipe econômica propôs ao governo e à ala política uma trégua até as eleições. O Renda Cidadã deve substituir o Bolsa Família.
A proposta surgiu como forma de livrar congressistas e o próprio governo do custo político de assumir a paternidade de cortes drásticos em despesas. A ideia é defendida por assessores do ministro Paulo Guedes (Economia).
O programa é visto como uma saída pós-pandemia, quando chegará ao fim o auxílio emergencial. O benefício foi criado para ajudar informais na crise da Covid-19. Foram cinco parcelas de R$ 600 e mais quatro meses de R$ 300.
Na segunda, Guedes, o presidente Jair Bolsonaro e líderes partidários anunciaram as fontes: os precatórios e o Fundeb. Desde então, voltaram à estaca zero.
A reação negativa de mercado, congressistas e TCU (Tribunal de Contas da União) repercutiu no governo. Desde o início da semana, ganhou força na equipe econômica a suspensão das discussões para o pós-eleições.
A equipe de Guedes luta para defender a única âncora fiscal existente a todo custo.
Em Brasília, as alas política e econômica tiveram conversas nesta quinta. Pessoas que participaram dos debates afirmam que a Economia colocou à disposição do governo um cardápio “pouco palatável” de cortes.
Ainda segundo elas, qualquer escolha acarretará danos políticos com potencial de afugentar votos em bases eleitorais dos congressistas. Por isso, há uma resistência em tomarem uma decisão.
O melhor, na avaliação de técnicos da Economia, seria esperar a realização do pleito.
O ideal, ainda segundo assessores de Guedes, seria discutir a unificação de cerca de 27 programas sociais. Isso abriria espaço para um enxugamento de gastos da ordem de R$ 10 bilhões.
Somente no abono salarial, poderia haver um espaço de R$ 8 bilhões. O programa não seria extinto, mas remodelado. Bolsonaro já sinalizou que não aceitará qualquer corte de programas sociais vigentes.
Para a equipe econômica, está é a única saída “menos amarga” para encontrar receitas para o Renda Cidadã sem que isso leve ao estouro do teto. A norma é a única regra fiscal vigente que trava as despesas.
O presidente Jair Bolsonaro comentou a polêmica sobre o programa em sua live semanal. “Eu tenho um país para administrar. Não é fácil os problemas. Estamos aí com o Renda Brasil, tirar dinheiro da onde, tem não, tem? Correndo atrás.”
De acordo com o Orçamento de 2021, as despesas previstas já estão batendo no teto. Para viabilizar o Renda Cidadã, o governo só pode cortar gastos ou descumprir a regra.
Nos bastidores, circulou no Senado a ideia de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para flexibilizar o teto em 2021. Mas as lideranças, consultadas, rechaçaram sob o argumento de que seria casuísmo.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou à Folha nesta quinta que qualquer proposta em relação ao teto não avançará. “Sou contra. Precisa de emenda constitucional. Na Câmara não passa”, afirmou.
Diante do impasse, as lideranças partidárias do chamado centrão, formado por representantes de PP, PSD, Republicanos, que integram a base do governo, decidiram continuar as discussões até a próxima semana.
No entanto, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), publicou em redes sociais que faria o anúncio do Renda Cidadã nesta sexta-feira (2).
Embora a ala militar defenda o estouro ou a flexibilização do teto, integrantes da articulação política de Bolsonaro afirmam que a tendência será de enquadrar o programa nos limites fiscais. Líderes governistas negam a intenção de furar o teto.
A ala militar, contrária ao corte de despesas, avalia que Guedes pretende fazer com que o governo se sinta acuado a ponto de retomar o plano original apresentado pelo ministro de corte do abono salarial, medida que permitiria viabilizar integralmente o Renda Cidadã, com cerca de R$ 20 bilhões por ano.
O Bolsa Família tem orçamento previsto de mais de R$ 34 bilhões para 2021.
Nesta quinta, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que a única maneira de lançar um programa social robusto é ou por meio do corte de gastos ou pela criação de um novo imposto.
Mourão disse que, além de abandonar a proposta de limitar os gastos de precatórios, acredita que Bolsonaro também não levará adiante a ideia de usar recursos do Fundeb.”
“Se você quer colocar um programa social mais robusto que o existente, você só tem uma de duas linhas de ação. Ou você vai cortar gastos em outras áreas e transferir esses recursos para esse programa. Ou você vai sentar com o Congresso e propor algo diferente, uma outra manobra, algo que seja, por exemplo, fora do teto de gastos. Um imposto específico para isso e que seja aceito pela sociedade como um todo”, afirmou.
O vice-presidente ponderou, no entanto, que não tem participado do debate sobre o financiamento da proposta. Em encontro na quarta-feira (30) com a equipe econômica, o presidente não chegou a uma definição sobre como viabilizar a iniciativa.
Mais tarde, Guilherme Afif Domingos, assessor especial de Guedes, atacou a proposta de financiamento do Renda Cidadã. Segundo ele, trata-se de “uma proposta esdrúxula, que não tem cabimento”. Ele negou que a ideia tenha partido da equipe econômica.
Fontes de recurso para o Renda Cidadã*
Bolsa Família
O Orçamento do governo para 2021 já reservou R$ 34,8 bilhões para o programa. O valor é maior do que o deste ano, de R$ 32,5 bilhões.
Precatórios
O pagamento de precatórios pelo governo seria de, no máximo, 2% da receita corrente líquida –o que em 2021 deve ficar perto de R$ 16 bilhões. Como a previsão atual do Orçamento para essa conta está em R$ 55 bilhões, haveria uma sobra de até R$ 39 bilhões a ser direcionada ao programa social Fundeb.
Recursos provenientes da ampliação de verbas do fundo poderiam ser deslocados para o Renda Cidadã. Neste ano, a equipe econômica já defendeu que parte da verba do Fundeb, que não contabiliza no teto de gastos, seja usada para o pagamento de vouchers de educação.
Fonte: Folhapress – São Paulo