Como você aproveita o seu tempo livre?

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Por: Rodrigo Pucci

Muita gente considera “tempo livre” aquele momento no qual não se faz nada relacionado ao trabalho. Como se tempo livre e trabalho fossem inconciliáveis. Seriam como água e azeite, não se misturam nunca.

Muitos gozam do tempo livre com felicidade enquanto outros são tomados por um sentimento de culpa. Isso porque, em nossa cultura, trabalhar sempre deve ser algo pesado, cheio de sacrifícios. Quando não é, nos sentimos culpados ou mesmo vagabundos. E, no ócio, parece que estamos desperdiçando o tempo; tempo esse em que coisas importantes deveriam ser feitas.

Quero que consideremos aqui o tempo livre como o momento que fazemos aquilo que queremos fazer. Tem a ver com autonomia e liberdade. É o momento em que temos a chance de decidir o que queremos, ou nos deixar levar pelo tempo das coisas. É o momento de criação ou simples apreciação.

O tempo livre é amigo de Kairós (na mitologia grega, é o deus do tempo oportuno), enquanto o tempo do trabalho flerta com Chronos (o grande deus do tempo). O tempo livre seria, portanto, oposto ao tempo do trabalho – aquele que não é nosso.

Na lógica atual do mundo do trabalho, vendemos não só nossa força de trabalho, mas nosso tempo de vida. Ao ser vendido, esse tempo deixa de ser nosso e, portanto, perdemos a possibilidade de sermos autônomos e livres.
O sociólogo italiano Domenico De Masi fala que existiram dois momentos na História que proporcionaram – a alguns privilegiados – o direito de gozar do tempo livre: a escravidão, antes, e a tecnologia, nos dias de hoje.

Na Grécia antiga, o trabalho dos escravos liberavam os gregos para usufruírem de forma criativa do seu tempo livre. Pelas vias tortas da escravidão, isso permitiu o surgimento da filosofia e da democracia.

Hoje, a tecnologia substitui o trabalhador em atividades extremamente repetitivas. É o caso da indústria de automóveis ou da agropecuária, por exemplo, em que em parte dos processos dessas atividades praticamente não há intervenção humana.

Não precisamos ir tão longe. Em casa, os vários aparatos tecnológicos reduzem o trabalho doméstico. Nem gostamos de pensar como seria nossa vida sem a máquina de lavar roupa… Decerto, uma parte preciosa do nosso tempo livre seria ocupada pelos afazeres do lar.

Se a tecnologia nos “libera” mais tempo, como estamos investindo nosso tempo livre? Estamos usando de forma criativa e formativa? Ou o convertemos em mais trabalho chato e sem sentido?

No meio do século XX, o filósofo e sociólogo alemão Theodor Adorno disse que “as pessoas não percebem o quanto não são livres lá onde mais livres se sentem”. Para ele, o tempo livre é usado apenas para descansarmos e nos prepararmos para o dia seguinte de trabalho. Ou seja, não assumimos e exercemos plenamente nossa liberdade.
Há alguns exemplos bem curiosos dessa confusão no nosso dia a dia.

O primeiro deles é o hobby, que deveria ser algo que se faz por prazer. Geralmente é uma atividade amadora, separada do trabalho oficial. Muitos até dizem: “é só um passatempo, não é nada sério”. Ora! Por que queremos que o nosso tempo livre passe mais rápido? Por que não temos comprometimento com a qualidade do produto do nosso tempo livre?

Agora pensemos em outro exemplo. As pessoas geralmente compram ou adotam um cachorro para se relacionar com ele e fazer bons passeios no parque nas manhãs ensolaradas. Mas, aí, acabam pagando alguém para passear com o cão em seu lugar. Paga-se ao passeador de cães para que viva o seu tempo livre!

De Masi descreve o ócio criativo como aquela trabalheira mental que acontece até quando estamos fisicamente parados, ou mesmo quando estamos dormindo. Ociar não significa não pensar. Praticar o ócio é pensar sem ser assediado pelo cronômetro. É não obedecer aos percursos da racionalidade e das regras que o mundo do trabalho criou para tornar o trabalhador mais produtivo.

O ócio criativo tem a ver com criar, cuidar de si, se relacionar com a família, com os amigos, com seus animais de estimação; e aprender coisas novas.
Não vamos cair na armadilha da afirmação perversa de que temos de trabalhar com o que gostamos para trabalhar mais e melhor. Estamos falando de desenvolvermos trabalhos mais criativos com maiores possibilidades de significado, de gerirmos melhor o nosso tempo livre e nos comprometermos com ele.

Isso, de fato, não é algo simples em nossa sociedade tão marcada pelas metas de produtividade e eficiência.
É preciso formar as pessoas para que exerçam o ócio criativo e encham de significado o tempo que lhes é mais próprio. Será que nossas escolas criam oportunidades para que isso aconteça?

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