Uma mulher com voz é, por definição, uma mulher forte

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Por Rui Matos

O título da entrevista é uma das frases marcantes de Melinda Gates, considerada em 2020 a 5ª mulher mais poderosa do mundo segundo a revista Forbes. Traduz também o pensamento da médica humanista e mato-grossense, Drª Natasha Slhessarenko. Ambas têm em comum a busca pela unidade entre gêneros e, sobretudo, o despertar da força da mulher e da família na política, na economia e na sociedade. Natasha carrega em seu DNA a garra e a força da ex-senadora Serys, sua mãe, que também lutou em defesa dos direitos da mulher e da igualdade em todos os sentidos. Natasha Slhessarenko fala sobre a aceitação do papel político, as responsabilidades e o olhar diferenciado da mulher na solução de conflitos coletivos e na criação de leis que beneficiam todo o país e não apenas grupos ou interesses próprios. Segundo ela, o momento é de despertar, de mudanças e de aceitação. “Queremos ser iguais. É por isso que a participação feminina na política, ou em qualquer outro segmento social ou econômico, é importante. Juntas podemos moldar uma nova realidade tendo voz e sendo fortes”, define Natasha.

“Precisamos ser ousadas e corajosas e exigir o nosso espaço político definido por lei e por direito”

Agir politicamente não se restringe ao voto ou a participar de estruturas partidárias e governamentais. Falta mais atitude para que a mulher, de fato, ocupe o seu espaço na política?

Agir politicamente é muito mais do que o voto ou participar de estruturas partidárias e governamentais. É ter realmente espaço. Falta, talvez, mais atitude da mulher. Ao longo dos tempos a mulher foi muito subjugada. Era preparada na nossa cultura para cuidar da casa, dos filhos, do marido e da família. O homem era apenas o provedor. Na verdade, isso se alterou e a mulher conquistou muito espaço. Mas ainda temos muito a conquistar dentro da política. Ainda temos muita dificuldade para ocupar cargos de poder, sendo eleitas, tendo voz ativa na tomada das decisões políticas. Isso, por causa dessa exclusão histórica que as mulheres sofrem e que repercute na baixa representatividade feminina. Hoje, dos quinhentos e treze deputados somos apenas setenta e sete mulheres. Dos oitenta e um senadores somos apenas treze mulheres. O Brasil é o terceiro país em representatividade feminina na América do Sul e essa posição não vem aumentando ao longo dos anos apesar das medidas que são tomadas. Infelizmente, muitas dessas medidas não são efetivas. Muitas vezes a mulher entra apenas como laranja somente para preencher os trinta por cento das vagas disputadas numa eleição.  No entanto, não lhes são dadas as condições para que a campanha de fato aconteça com recursos e tempo de mídia. O espaço existe e todas as mulheres deveriam preencher esses espaços.

Vemos que ainda é preciso compreender o real significado da palavra feminismo, que não é o contrário de machismo, mas a luta por direitos e oportunidades iguais?

Certamente. Machismo é uma concepção de que homem e mulher não podem ter os mesmos direitos. Já o feminismo, é uma manifestação que busca construir a igualdade entre todos os gêneros. Não existe trabalho de homem ou trabalho de mulher ou lugar de homem e lugar de mulher. O homem pode ser costureiro e a mulher pode ser mecânica de motores, ou vice-versa, não é mesmo? Afinal, o que importa é o que a pessoa sabe fazer de melhor e não o gênero. A mulher pode ser o que ela quiser, quando ela quiser e onde ela quiser. Nós, mulheres, somos cerca de cinquenta e dois por cento da população. Não dá pra dizer que as mulheres são inferiores ou que não dão conta, afinal, 14 milhões de mulheres são mães e pais ao mesmo tempo criando sozinhas seus filhos. Espaços de mulheres ou espaços de homens? Estamos no século vinte e um e isso precisa acabar. Somos maioria na população e, mesmo assim, não queremos ser melhores. Queremos ser iguais. É por isso que a participação feminina na política, ou em qualquer outro segmento social ou econômico, é importante.  Juntas, podemos moldar uma nova realidade tendo voz e sendo fortes.

Outra visão distorcida, até mesmo por grupos de mulheres, é taxar o feminismo como uma agenda de uma determinada ideologia política. O que fazer pra mudar essa realidade?

Absurdo achar que o feminismo está ligado ao campo ideológico. Isso é falta de entendimento. Precisamos fazer a mulher entender que ela é capaz de construir e estar onde ela quiser e quando ela desejar. Para isso é precisar dar condições. Ela precisa acreditar nela e saber negar as pressões que objetivam fazê-la pensar o contrário. Muitas viveram ou vivem sob o julgamento dos maridos e até dos pais.  Vamos mudar isso quando todas verem que são capazes de fazer e ter o que quiserem. A mulher pode ser o que ela quiser ou sonhar. O homem pode contribuir fazendo a parte dele e ajudando aliviar a carga de trabalho e responsabilidade da mulher que, muitas vezes, chega ao terceiro turno e só termina altas horas. É preciso união e cumplicidade entre homem e mulher para que todos cresçam. É preciso união, amor e cumplicidade para que todos cresçam.

Em várias oportunidades vosso nome foi sondado para cargo eletivo por vários partidos. Diante do que já discutimos anteriormente, acredita que é o momento da senhora aceitar esse desafio?

Já declinei desses convites algumas vezes. Entretanto, agora eu sinto que estou preparada e madura o bastante para dar a minha contribuição para Mato Grosso. Esse estado já me deu muito. Agora, é a vez de retribuir. Sou médica humanistas e abri duas empresas que deram muito certo na área, uma em Cuiabá e outra em Várzea Grande. Também sou professora da Universidade Federal de Mato Grosso. Enquanto mulher sinto-me privilegiada com os avanços na legislação e nas conquistas históricas. Não há como declinar dessa missão nesse momento tão importante. Precisamos ser ousadas e corajosas. Exigir o nosso espaço político definido por lei e por direito, seja no Congresso nacional, na Assembleia Legislativa ou nas Câmaras Municipais. Há ainda os cargos eletivos no Executivo, os postos no Judiciário, no Ministério Público, entre outros da esfera governamental. Que seja também na iniciativa privada. Somos competentes e devemos lutar por isso.

Na vida pública temos muito a agregar pela forma diferenciada de lidar com as situações, com a visão e o amor característico da mulher temos muito a contribuir

É precisar despertar para desenhar essa nova realidade.

Já estamos despertando há muito tempo, mas não é tarefa fácil. Somos maioria na população, mas somos minoria na representação política. Isso tem que mudar. Nos últimos 195 anos, por exemplo, a Câmara dos Deputados teve quase oito mil deputados, incluindo suplentes. Apenas 266 mulheres ocuparam essas cadeiras em quase noventa anos. A primeira Senadora mulher, por exemplo, nem foi eleita. Era suplente da bancada do Amazonas e assumiu em 1979. Minha mãe, a ex-senadora Serys, também entrou para a história do Congresso de forma exemplar. Tivemos também a senadora Selma Arruda que, infelizmente, foi cassada. Temos espaço e devemos ocupá-lo não apenas por uma questão de justiça ou de gênero ou de gênero, mas porque precisamos levar a perspectiva do olhar feminino com mais generosidade, com mais amor e mais empatia para dentro do Congresso Nacional. Na vida pública temos muito a agregar pela forma diferenciada de lidar com as situações, com a humanidade e o amor característico da mulher. Temos muito a contribuir, sim.

A senhora é filha da lendária Serys. Mulher que construiu o seu espaço fazendo uma bela história na política. Isso pesará sobre os ombros caso a senhora seja candidata a algum cargo em 2021?

Minha mãe, Serys, sempre foi e será uma grande inspiração para mim. Sempre viveu no ambiente político, seja na Universidade Federal, ou como secretária de Educação de Cuiabá e do Estado em diferentes gestões. Foi deputada estadual com destaque entre todos os demais parlamentares que eram homens e foi senadora conquistando votos e a confiança pelo trabalho que executava. Serys deixou um legado de muitos trabalhos em prol da sociedade e quero dar continuidade a essa linha de atuação. Quero mostrar que política não se faz com dinheiro e, sim, com trabalho. Com respeito ao bem público, dignidade, honra, respeito, transparência e ética, caso consigamos construir uma pré-candidatura. Saber que as pessoas acreditavam e continuam acreditando na Serys, além de se verem nela representada me enche de orgulho. Não diria que esse histórico me pesa sobre os ombros, mas agrega. Só para citar alguns feitos da Serys, ela levou o programa Luz para Todos a diversos municípios, defendeu mais estradas, torres de celular em locais longínquos, além recursos de emendas inclusive para os municípios da Grande Cuiabá, sobretudo para Educação e Saúde. O melhor foi construir esse espólio sem qualquer mácula à sua trajetória política. Sonho em ser como ela e já faço muito por Mato Grosso enquanto médica humanista. Enquanto médica sinto a dor e a aflição das pessoas e procuro sempre me solidarizar. Dessa forma atuo e me realizo.

É fato que precisamos superar a sub-representação da mulher nos espaços de poder. A senhora concede muitas entrevistas falando sobre o tema. Já se sentiu sozinha nessa luta?

Nós, mulheres, precisamos estar muito unidas. Com certa dose de união formamos uma rede de proteção. É importante que isso se fortaleça cada vez mais. Mas isso só será realidade se tivermos mais representatividade na política. Atualmente, não temos nenhuma mulher no Senado, temos uma única deputada federal, uma única deputada estadual e, na Câmara de Cuiabá, apenas duas vereadoras. No governo do Estado, apenas a Iraci França assumiu o governo por um período e, mais recentemente, a presidente do tribunal de Justiça (Maria Helena Póvoas) também assumiu por três dias por ocasião de viagem e licença médica dos representantes legais do cargo. No Brasil, hoje, apenas doze por cento das prefeituras são comandadas por mulheres e apenas dezesseis por cento dos vereadores no país são mulheres. Precisamos conquistar e ocupar esse espaço. Não me sinto sozinha nesse sonho. Vejo que uma rede poderosa se forma e estou à disposição, assim como tantas outras mulheres que devem aceitar esse desafio.

É preciso compreender que, quando todos são iguais somos mais livres?

A busca por direitos iguais é a libertação da opressão, da submissão, é o fim da violência doméstica, fim da discriminação. Quando acabar essa cultura de que homem tem direito diferente das mulheres teremos uma sociedade muito mais justa e mais igualitária.

Serys sempre se elegeu de maneira autêntica. Saber que as pessoas continuam acreditando nela, além de se verem nela representada me enche de orgulho

Mesmo com todo o potencial feminino, ainda há pouca política pública voltadas para as mulheres. Isso poderá mudar quando mais mulheres se sentarem nas cadeiras do Congresso, por exemplo?

Não tenho dúvida disso. Ocupantes de cargos públicos precisam estar cientes de que estão lá para servir e não para serem servidos. Reforço que é preciso que haja equilíbrio entre os gêneros. Um homem, por exemplo, não iria pensar em uma Lei como a Maria da Penha se ele não é a maior vítima desse tipo de violência. Há outras questões que uma mulher também teria maior sensibilidade para fazer a defesa na forma de lei.  A Lei Maria da Penha, só para lembrar, só foi aprovada porque houve mobilização da bancada feminina no Congresso e entre a sociedade. Isso mostra que a mulher tem força, caso ela se una. Mesmo aprovada, a Lei Maria da Penha foi ameaçada por varias ações de inconstitucionalidade impetradas no STF. Graças, a ministra Ellen Grace, presidente do Supremo Tribunal Federal, conseguiu minar todas as possibilidades de anulação da lei. O olhar feminino sobre as necessidades e anseios da sociedade como um todo é forte e tivemos prova disso neste episódio. Por isso, é importante reforçar necessidade da presença feminina na Casa de Leis tanta na esfera Federal, Estadual ou Municipal.

A bandeira feminista deve ser empunhada por todos. Devemos nos ver enquanto pessoas e não como homem ou mulher?

A igualdade de direitos precisa ser uma luta de todos. Temos que respeitar a opção de outra pessoa e não julgá-la ao nosso modo. Devemos nos ver com pessoas e não como homens ou mulheres. É uma realidade que está sendo construída, mas ainda temos muito a fazer. Para dizermos que vivemos em um país igualitário, temos que lutar por essa mudança de conceito. Vejo que o fim da discriminação é a principal, seja contra a mulher, negros, pobres, homossexuais, idosos, etc. Só quando homens e mulheres lutarem unidos, teremos uma sociedade mais justa e igualitária. É muito triste falar sobre isso, justamente no momento que a Assembleia Legislativa não deixou aprovar a criação do Conselho LGBTQIA+ em Mato Grosso. Isso representa uma visão retrógrada da nossa sociedade. É triste ver que apenas cinco dos 24 deputados votaram pela criação do conselho.  Pior que isso foi ver nas redes sociais uma campanha dizendo que esses cinco parlamentares votaram contra a família. É uma distorção da realidade, infelizmente. Essa construção de um novo país começa em casa com a criação de filhos mais conscientes da igualdade de raça, gênero e credo, principalmente.  Outro caminho é participar das discussões, ir para as tribunas, ocupar cargos públicos e se fazer presente nas decisões com a família, nas escolas e na imprensa.

Enquanto médica, a visão humanista característica da profissão norteia vossa linha de pensamento e ação política?

Sou uma pessoa que ama gente. Adoro ajudar e socorrer as pessoas, independente da minha profissão na medicina. Enquanto médica, essa responsabilidade aumenta já que é um propósito de vida ajudar e contribuir. Sempre lutei pela qualidade de vida das pessoas e por uma saúde pública de qualidade. Por isso me tornei médica com visão humanista. Acho que nesse momento o país também precisa de mais amor e menos ódio entre as pessoas para lidar com situações adversas. Precisamos de mais diálogo e mais compreensão. Tenho essa meta de vida e vou continuar firme nesse propósito. É uma lição aprendida com minha mãe, a Serys. Ela sempre esteve aberta a resolver conflitos e abraçava e acolhia a todos. Afinal, uma senadora defende o país e não apenas um estado. Independente da base ou do partido, Serys sempre atendeu e buscou resolver as demandas dos prefeitos e deputados. A bandeira política dele foi a da República e nunca a dela mesma. É isso que também defendo enquanto cidadã.

Será possível uma nova realidade da mulher na política já em 2022?

Essa nova realidade já está acontecendo não apenas na política, mas em vários setores. Acredito muito no poder transformador da família unidade e, sobretudo, da mulher. Quero citar uma frase da ex-presidente do Chile, Michele Bachelet: Quando uma mulher entra na política, a vida daquela mulher muda, mas quando várias mulheres entram na política e se apropriam desse espaço e rompem com o patriarcado, isso muda a vida de todas as pessoas. É por isso que precisamos pensar, agir e fazer mais por nosso estado, colocando mais mulheres nos espaços de poder. Essa capacidade que a mulher tem de gerar vida, amar incondicionalmente e ver as situações por um prisma mais humano certamente fará a diferença na esfera do poder político, sobretudo numa Casa de Leis. Essa nova realidade vai se fazer com mais mulheres no poder. Precisamos ser mais em número na política para que possamos cuidar mais e melhor dos filhos de Mato Grosso e do Brasil.

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