Trocando “seis” por “meia dúzia”

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Por Auremácio Carvalho |O eleitor brasileiro e eu também, nascemos, crescemos e morremos com um grave defeito de fábrica: uma atávica e incurável psicose de acreditar em super-heróis e salvadores da pátria.

Em toda eleição, escolhemos um deles: Lula, FHC, Dilma, Bolsonaro, etc. Em 2018, caímos novamente no “conto do vigário”, achamos um “mito”, um herói que nos livraria de Lula; pois, queira ou não o leitor/a, você e eu votamos para afastar o fantasma do lulismo, travestido no poste Haddad.

O discurso desse novo herói, discurso da “nova política”, que tem como principal premissa o rompimento com vícios do processo de administração do país, o”toma lá, dá casa”,a velha política, o domínio dos “coronéis da política”, o combate a corrupção….. seriam coisas do passado.

Assim, 243 deputados, 46 senadores e o presidente da República, Jair Bolsonaro, receberam os votos de confiança da população após prometerem um jeito diferente e novo de se fazer política. Contudo, isso ficou no papel.

Menos de dois anos, e descobrimos o logro: compramos gato por lebre; o compromisso com uma nova política se desvirtuou e acabou no braço confortável do Centrão e; em  nome da “governabilidade”, Bolsonaro está cada vez mais abraçado ao Centrão para garantir o suporte do parlamento aos projetos do governo e para se resguardar contra um eventual processo de impeachment – há mais de 40 pedidos encaminhados à Câmara dos Deputados, dormindo.

Em 2018, caímos novamente no “conto do vigário”, achamos um “mito”, um herói que nos livraria de Lula.

Em mais um passo à política tradicional, o presidente nomeou ontem 14 novos vice-líderes na Câmara.

A maioria dos deputados pertence a partidos que compõem o grupo fisiológico, ou como o Executivo define, a “base de apoio ao governo”.

O ministro “terrivelmente” evangélico para o STF evaporou na escolha de um desembargador “católico” Kássio Marques Nunes- diga-se, de passagem, para os menos avisados, que religião não é critério constitucional para escolher ministros do STF, mas, saber jurídico, vida ilibada. Se é católico, ateu, evangélico ou judeu, não interessa, o que se pede é que o indicado conheça “ de cabo a rabo” a CF- vulgo, Carta Cidadã. Não vai julgar com base na Bíblia, no Pentateuco ou Alcorão.

A escolha por Kassio também tem sido bombardeada por antigos bolsonaristas que partiram para o confronto aberto com Jair Bolsonaro, acusando o presidente de “traição” aos compromissos assumidos na campanha de 2018.

O anúncio para a Corte provocou fortes críticas e uma onda de descontentamento, com ameaças de debandada e pressão para que Bolsonaro mude o nome do indicado.

Empresários, militares, evangélicos e ativistas ideológicos apontaram a escolha de Marques como “grave erro” e uma oportunidade perdida de nomear um “conservador” para a cadeira do ministro do STF Celso de Mello, que se aposentará no próximo dia 13. 

Um dos mais fervorosos críticos é o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus em Cristo, que dispara desde a semana passada uma série de vídeos e mensagens críticas e agressivas, até com palavrões, que espantou até o próprio Presidente. Era da cozinha do chefe. Os terrivelmente bolsonaristas estão calados e frustados.

As atitudes de Bolsonaro, há muito, vem desagradando seus eleitores, principalmente, os fanáticos “terrivelmente” evangélicos. Promessas enterradas, rachadinha familiar, atitudes ditatoriais, guerra a imprensa, favores a amigos e familiares, etc. “Quem perde de verdade é o povo brasileiro, que acreditou em um projeto específico. Foi um verdadeiro estelionato eleitoral. O Bolsonaro não é mais o Bolsonaro que foi no primeiro ano. O toma lá dá cá é explícito. Hoje, o presidente costura um tapete de dia, e desmancha de noite. Cada vez mais ficam evidenciados os atos de proteção do presidente a ele mesmo e aos seus aliados”, opina o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP) o que ele sempre defendeu..

Para alguns analistas, as eleições deste ano podem ser um espelho de 2018: vence o candidato que promete mudanças, mas assume o eleito que recorre às velhas práticas. Quem entra no poder, vai precisar fazer uma coligação para passar as pautas que necessita.

O que se chama de velha política, na verdade, é política real do Brasil desde Pedro Álvares Cabral. É negociar e esquecer promessas, vender a “alma ao diabo”- (Dilma). O problema é a forma como é feita. Bolsonaro  conseguiu acabar com o termo. Tudo virou corrupção.  O termo “nova política”cola bem. Será usado novamente, nas eleições municipais deste ano. É um problema psicológica ou de alienação mental o comportamento do eleitor: vai escolher os mesmos demagogos, salvadores da pátria. Boslonaro, agora, descobriu o pobre, o miserável e viu que ele dá voto e popularidade.

O Renda Cidadã, uma repaginação do Bolsa Família de Lula; já chamada de “bolsa capitão 2022”, é a sopa no mel. Em 28 anos na Câmara Federal, nunca Bolsonaro lembrou deles, só da Ditadura, que homenageava todo ano. Nesse tempo de mandato, aprovou 02 (dois) projetos parlamentares. Um bom saldo para um mito. A militante do grupo miliciano dos 300 (com tornozeleira), depois dos recentes conchavos para indicação do novo ministro do STF, desabafou: “Que inveja eu tenho do Toffoli. Ele pelo menos ganhou um abraço do Bolsonaro”, disse Sara, em mensagem nas redes.

“Não reconheço Bolsonaro. Não sei mais quem ele é”, emendou a militante. Concordo com ela: nós também, eleitores, não estamos reconhecendo mais o nosso mito. Uma metamorfose espantosa, que vai se acentuar até 2022, sem dúvida; novos ministérios, novas indicações regionais, o que sabemos. Hoje, Bolsonaro prometeu que a próxima vaga será, não apenas para um “terrivelmente” evangélico, que será pastor, fazendo orações no STF.

O Dep. Cunha, quando presidente da Câmara Federal, reunia no seu gabinete a “bancada evangélica” para um culto semanal; onde ele era abençoado pelos “bispos” pastores, nas horas vagas, deputados federais. Onde está o “ungido”? infelizmente, na cadeia. Falsa profecia, por certo. Bolsonaro que se cuide e que sua profecia não se cumpra…… que ele comece a governar para todos- já é tempo. Tenho certeza que, em 2022, novamente vamos eleger o mito, o herói.

Os pecadinhos serão esquecidos, por certo. “Errar é humano”. Correto. Mas, persistir no erro, não é burrice? “A vida tem suas encruzilhadas, como outros caminhos da terra.” Machado de Assis. 

*Auremácio Carvalho é advogado.

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