Produtores rurais lidam com insegurança há 20 anos em reserva sem manejo

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A produtora rural Larissa Zem atendeu o telefone a caminho da lavoura. “Desculpe estar meio apressada, é porque estou colhendo soja, então está uma correria nos últimos dias”, justificou.
Ela faz parte de um grupo de 160 produtores com propriedade na Serra Ricardo Franco, em Vila Bela da Santíssima Trindade (540 km de Cuiabá), do qual quase um terço trabalha em escala de agricultura familiar.
Eles produzem soja, milho ou estão na linha de criação de gados. Nesta época do ano, o trabalho diário aumenta por causa da colheita, no encerramento da safra.
Mas, apesar de serem dias de indicativo de prosperidade, a insegurança persiste. Há 25 anos eles lidam com a ansiedade de ver seus negócios serem desfeitos em pouco tempo pelo Estado, em uma série de desapropriações, para cumprir uma declaração de área de utilidade pública.
A origem da insegurança é o decreto estadual nº 1.796 de 1997, baixado no do governo de Dante de Oliveira. O objetivo era preservar a fauna e flora na região e criar mecanismo de ecoturismo.
São 158,6 mil hectares que deveriam ter sido manejados pelo Estado até cinco anos após a entrada em vigor do decreto. Mas os trabalhos pararam pelo caminho e continuam assim há pelo menos 18 anos.
O dinheiro do governo para desapropriação acabou em 2004. A tentativa foi reduzir o tamanho da área para 100 mil hectares e diminuir os custos. Mesmo assim, a implantação do parque não avançou.

Insegurança jurídica
Enquanto isso, os produtores da região vivem a tensão a cada período de safra, a insegurança jurídica e o risco de investir na propriedade e ver o esforço frustrado.
“Os produtores convivem com a insegurança jurídica que paira sobre sua atividade produtiva. A sociedade perde emprego, renda, impostos, e é induzida a pensar que existe preservação, e que o produtor é o vilão da história”, diz Edivaldo Ostroski.
Representante jurídico da Associação dos Produtores da Serra Ricardo Franco (Aprofranco), Ostroski diz que, 37 anos antes da declaração de utilidade pública, antepassados de famílias em atividade agropecuária hoje já estavam no local.
“Aqui a situação é o contrário de outras unidades, pois já estávamos na área quando o decreto foi baixado. Tem gente aqui que está há 30 anos em sua área, trabalhando para produzir e amarrada por causa de um parque sem cuidados”, comenta Larissa.
Mais da metade desse tempo já se passou para a geração mais recente, que praticamente aprendeu a conviver com a tensão nos negócios. E a espera parece que não terminará tão cedo.

Ambiente preservado
As regras de conservação ambiental não são o problema nesse caso. Edivaldo Ostroski diz que o cumprimento de normas de sustentabilidade, incluindo “metas verdes”, faz parte do cotidiano dos produtores. Ignorar a questão seria simplesmente fechar as portas de suas propriedades para um comprador.
“É preciso entender que um produtor que não cumpre a legislação ambiental está fora do mercado. Ele não consegue crédito e não consegue vender seus produtos. Todos os produtores são conscientes de que a preservação ambiental significa a preservação do seu negócio. Cuidar da água, do solo e da biodiversidade é premissa básica para uma boa produção”, afirma.
O empecilho seria a falta de ação do Estado para corrigir o decreto de utilidade pública, seja para implantar o parque na Serra Ricardo Franco, passando pela desapropriação, seja dando segurança para os produtores investirem em seus negócios.
“O produtor rural da Serra Ricardo Franco sempre esteve lá. É preciso deixar claro que o Estado pratica uma violência contra esse produtor rural, violando direitos previstos constitucionalmente, como direito à propriedade, ao trabalho e à livre iniciativa”, pontua.

Decreto Legislativo
Os produtores aguardam aprovação de um decreto legislativo que susta o decreto de 1997 que estabeleceu a área de utilidade pública. Porém, a tramitação na Assembleia Legislativa já tem cinco anos.
O decreto de lideranças partidárias foi apresentado em abril de 2017. Uma comissão especial foi criada à época para estudar as demandas necessárias, de conservação e, ao mesmo tempo, de desenvolvimento da agropecuária. A mudança na proporção do parque, a segunda tentativa, caminha a passos lentos.
Após uma série de andamentos por comissões, ainda em 2017, projeto de decreto legislativo parou, ainda em abril do mesmo. Só voltou a ser movimentado na primeira semana de janeiro, quando recebeu um parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR).
De acordo com a deputada estadual Janaina Riva, há muitas áreas produtivas na região abrangida pelo atual decreto – e uma desapropriação pelo governo estadual não sairia por menos de R$ 1 bilhão, dinheiro obviamente não disponível.
A solução, portanto, passaria pela mudança no decreto, considerando Parque Estadual as áreas que de fato devem ser preservadas e devolvendo aos produtores o direito de produzir sem a nuvem da insegurança jurídica que hoje paira sobre suas cabeças.

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