O amor mata? Rosana Leite Antunes de Barros*

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Antigamente, muito “se lavou a honra com sangue”. Essa era a “justificativa” daquele que, inconformado com a traição, ou com a imaginação de que ela pudesse ter acontecido, cometia o assassinato contra o seu “Bem Querer”.

É recorrente ouvir pessoas afirmando que não conhecem a reação diante de uma traição. Obviamente, o correto seria a separação antes que acontecesse. Entretanto, nada é motivo para cometer atos insanos, tal como o assassinato.

Se debruçar sobre o real significado da palavra “amor” é inimaginável. Cada qual o entende à sua maneira. Compreender que é dúbio seria a solução? Só há amor com a respectiva correspondência. O cuidado, carinho, saudade etc., é consequência. Manter relacionamentos sem sentimentos sadios é grave. É ensinamento das avós que “ninguém toma ninguém de ninguém”. O corpo de cada qual o pertence. Porém, transladando para a vida real, o sentimento de posse faz vítimas todos os dias.

Casos são variados, inclusive, dentro da família. Na primeira infância um fato me foi marcado. Um tio, lavrador, chega à sua casa em horário não esperado pela esposa e a apanha no quarto com outro homem. Na verdade, a hora da chegada foi proposital, face às desconfianças que já pairavam. Os amantes se assustaram terrivelmente, principalmente por ele portar um revólver a tiracolo. Os enamorados começaram a implorar pela vida. O traído surpreende ao jogar um maço de dinheiro aos dois, pedindo que sumissem imediatamente, a fim de evitar algo pior. A única condição do homem foi que ela deixasse os cinco filhos para ele criar, e saísse para viver com o novel companheiro. O traído vive até os dias atuais, contando aproximadamente 85 anos. Os filhos e filhas desse casal cresceram de forma saudável.

A atriz Maitê Proença viveu uma tragédia particular, narrada no livro de Luiza Nagib Eluf, “A Paixão no Banco dos Réus”. Conforme relatado, havia suspeita de que a mãe vivia uma relação extraconjugal. O pai da atriz, um procurador de justiça, afirma ter ficado desnorteado, motivo que o levou a conversar com a mulher sobre separação, momento em que pediu para ficar com os filhos e filha sob sua guarda. A mulher não concordou, e foi morta com 16 facadas. O filho mais velho e Maitê afirmaram em juízo que a genitora já havia recebido homens em casa na ausência do pai. Assim, testemunharam à época favoravelmente à absolvição dele, já que estaria “permitido” matar a mãe, que o traíra. Claro, os descendentes não possuíam qualquer discernimento para falar, mas, foram ouvidos. No final do ano de 1989 o homem acaba cometendo suicídio. Os irmãos da atriz sofreram as consequências da violência doméstica. O mais velho se afundou nas bebidas alcoólicas, e o mais jovem em drogas pesadas. Apenas ela superou o trauma, apesar de sofrer muito ao relembrar.

Essas duas histórias reais datam da década de 70. A legítima defesa da honra recebia o valor de absolvição pelo corpo de jurados quando a vítima era a “mulher traidora”. A virilidade do homem merecia ser lavada com sangue. Era entendimento quase unânime: “mulher infiel pode ser assassinada pelo companheiro”. E, ainda, eram exibidos diversos casos onde a tese de defesa era única e exclusivamente essa, sem contestação social.

Na atualidade o entendimento é diverso, sendo inadmissível a absolvição nesse sentido. Foi abolido o termo “crime passional”. As traições causam males no seio familiar, que podem ser resolvidos com a separação do casal, sem tragédias. O bom senso é sempre boa companhia.

*Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.

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