Nem “Sócrates” se salvou em Cuiabá

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Uma peça que mistura filosofia e arte, não recebeu a devida atenção local

Cuiabanos estão se habituando a não ver questões públicas serem seriamente tratadas. Às vezes é uma falta “com o público”, uma obra da copa inacabada, um asfalto que se vai na primeira chuva, um posto de saúde público sem médico.

 

Outras é uma falta “de público” para o teatro e a arte. Talvez uma coisa esteja relacionada com a outra e não nos percebemos: a falta “de público” com a arte e a filosofia deixa a gente meio sem fé “com o público”. Afinal, “quem” ou “o que” nos ensina a questionar?

 

Depois de circular na mídia local que o ator Tonico Pereira estaria em Cuiabá, no Teatro da UFMT, encenando um monólogo intitulado “O Julgamento de Sócrates”, recebemos a triste notícia do cancelamento da peça em Cuiabá. Qual a justificativa? Falta “de público”.

No calor cuiabano, uma gelada cai bem. Mas, estamos restringindo as opções de lazer e cultura a bares e shows de sertanejo universitário?

A peça, uma comédia filosófica estrelada por um ator de mais de 50 anos de carreira, não atingiu venda de ingressos suficiente para se manter na programação em Cuiabá. Agora quando “xas criança, tchá por Deus”!

 

Estava tudo programado, a peça baseada em uma obra de Platão, um monólogo, um figurino atemporal, um ator em cena, a plateia realizaria o julgamento, filosofia e arte no ar. A peça é tida como sucesso de público em outras localidades.

 

Contudo, não será dessa vez que veremos Sócrates ser julgado em terras mato-grossenses. Uma peça que mistura filosofia e arte, não recebeu a devida atenção local. Bom, é um pouco de “filosofia”, e um pouco de “arte”, talvez aspectos não afinados com o gosto do público local? Seria isso?

 

Na peça, Sócrates é acusado de ter ideias diferentes do estabelecido pela sociedade e pela religião, corrompendo a juventude.

 

Eu gostaria que a peças de teatro pudessem corromper um pouco da cultura da nossa juventude, ligada às redes sociais, isolada em cursinhos pré-vestibulares ou bancos universitários, tendo shoppings como lazer, educados nas mais racionalizantes escolas em que pouco se vê de discussão sobre arte, sobre filosofia, sobre música, teatro, dança. Aliás, pouco se discute sobre “o que é público” nestes espaços.

 

Às vezes, nossa juventude consegue escapar um pouco da rotina, associando seus estudos ao esporte. Mas, as possibilidades de ir ao teatro ou estudar filosofia são, ainda, menos frequentes do que banco de sala de aula.  A filosofia fica confinada àquela matéria chata que ninguém sabe para que serve. A arte, por sua vez, fica confinada em escolas particulares de dança, teatro ou música, inacessíveis para boa parte de nossa juventude.

 

Falando em preço inacessível… Ouvi dizer que o ingresso da peça cancelada estava muito caro: R$80,00 inteira, R$40,00 meia entrada. Salgado? Já vi shows em Cuiabá que chegaram à R$190,00 o ingresso e lotaram. Já vi peças teatrais de grupos locais, realizadas em poucos, mas bons, teatros de Cuiabá, sem público, com ingressos à R$10,00 e um quilo de alimento. Então não é só uma questão de preço, é questão de cultura e do que se valoriza (o que “o público” gosta).

 

Talvez sejamos um público muito programado, habituado, em estudar e trabalhar a semana toda, para esperar a bendita sexta feira, lotar os bares e botecos, aliviar o estresse bebendo uma gelada. Nada de mais, no calor cuiabano, uma gelada cai bem. Mas, estamos restringindo as opções de lazer e cultura a bares e shows de sertanejo universitário? Não cai bem. Aí, quando vem “Sócrates” tentando corromper essa juventude a pensar diferente… Nem! falta público.

 

LEANDRO MUFATO é docente da UNEMAT

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