Maconha salva vidas

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Ainda que criminalizada, uma planta medicinal que pode salvar vidas. Agora brasileiros lutam por políticas públicas que ultrapassem as barreiras do preconceito em prol da saúde e da dignidade humana

 

Vanessa Moreno

“A maconha medicinal mudou a nossa vida”, diz Solanyara Maria da Silva Nogueira membro da Associação de Pacientes, Apoio Medicinal e Pesquisa de Cannabis Medicinal em Mato Grosso (ASPAMPAS) e mãe do Marcos, portador de epilepsia, que faz uso de medicamento à base de cannabis. Foi através do seu filho, que sofria cerca de 40 convulsões por dia, que Sol se envolveu na luta pela criação de políticas públicas que amparem a todos que necessitam do remédio originário dessa planta, cujo nome científico é Cannabis sativa. 

“É preciso vencer o preconceito, vencer a barreira da demonização da maconha e ver a parte medicinal dessa planta que tem trazido vida e qualidade de vida para milhares de pessoas”, desabafa Sol. Ela confessou ter quebrado o paradigma de que a maconha é exclusivamente uma droga entorpecente a partir do momento em que precisou do óleo extraído da planta para reduzir a zero o número de convulsões sofridas por seu filho. 

A família de Carol Meireles, diretora da ASPAMPAS, também vivia em estado de preocupação e alerta, pois seu filho de 11 anos também é portador de epilepsia e chegou a ter 60 convulsões por dia antes de iniciar o tratamento. “Muita gente não acredita em cura, mas quando se traz a história de uma criança que convulsionava mais de 60 vezes por dia e a partir do momento que começou a usar cinco gotas de um óleo à base de cannabis essas crises zeraram, parece que cada gota é um milagre”, conta Carol.

Sentir na pele a realidade de famílias que precisam constantemente recorrer ao poder judiciário para obter liminares autorizando a importação dos medicamentos foi o pontapé inicial para que Carol se dedicasse à criação da ASPAMPAS. “A ASPAMPAS nasceu da dificuldade de acesso ao medicamento de pais, mães e pacientes que já não aguentavam mais ter que judicializar situações e brigas de anos na justiça em busca do medicamento que cura ou ameniza”, declara a diretora, que agora trabalha para aproximar pacientes de um tratamento mais justo e menos burocrático. 

A judicialização não é a única barreira encontrada por quem precisa cultivar, produzir ou comprar os medicamentos à base de cannabis, pois quando não há necessidade de autorização judicial, é preciso ter prescrição médica ou ainda desembolsar um valor alto para comprar o medicamento nas farmácias brasileiras. Desde 2016 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou diversas normas para regulamentar o acesso a esse tipo de medicamento e hoje já são mais de 20 produtos autorizados pela agência, mas os preços nem sempre cabem no bolso do brasileiro, pois variam de R$200 a R$2.500.

Tânia Luz, que é membro e tesoureira da ASPAMPAS, faz o uso do canabidiol (CDB) para tratar o transtorno de ansiedade e encontrou na importação uma maneira mais econômica para garantir a continuidade do seu tratamento. “Na farmácia o custo é mais alto do que o que eu uso, por exemplo. O meu vem do Paraguai, de uma empresa chamada Koba, que tem o melhor custo-benefício”, explica Tânia. 

A ASPAMPAS foi criada em fevereiro deste ano e, ao longo destes quatro meses de atuação, muito trabalho tem sido desenvolvido com foco em facilitar a aquisição do remédio, diminuindo o custo e a burocracia. “Temos a intenção de num futuro breve ter um plantio e fazer a extração do óleo. Estamos caminhando para isso”, destaca. 

Estudos científicos têm encontrado na cannabis medicinal a solução para diversos problemas de saúde. Além da epilepsia e do transtorno de ansiedade, diagnósticos como esquizofrenia, Parkinson, Alzheimer, lúpus, isquemias, transtorno do espectro autista (TEA), hepatite C, doença de Crohn, esclerose lateral amiotrófica, diabetes, náuseas, câncer, depressão, distúrbios do sono e do movimento, glaucoma, estado positivo para o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), cachexia, distrofia muscular, fibromialgia severa, aracnoidite e outras doenças e lesões da medula espinhal, cistos de Tarlov, hidromielia, siringomielia, artrite reumatoide, displasia fibrosa, traumatismo cranioencefálico e síndrome pós-concussão, esclerose múltipla, síndrome Anrold-Chiari, ataxia espinocerebelar, síndrome de Tourette, mioclonia, distonia simpático-reflexa, síndrome dolorosa complexa regional, neurofibromatose, polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica, síndrome de Sjogren, cistite intersticial, miastenia grave, hidrocefalia, síndrome da unha-patela e dor límbica residual já podem ser tratados através das propriedades medicinais da maconha. No entanto, o país ainda caminha a passos largos quando se trata de políticas públicas concretas que proporcionem o acesso à saúde de forma menos burocrática nas unidades conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). 

“Queremos aprofundar os debates e o acesso a informações científicas sobre os resultados do uso da cannabis, técnicas qualificadas de plantio, extração, princípios ativos e produção de fármacos, além de dar subsídios para as mudanças necessárias nas legislações nacionais em prol da regulamentação da cannabis medicinal”. Esse é o posicionamento da vereadora por Cuiabá Edna Sampaio (PT), que promoveu uma audiência pública no dia 15 de maio, na Câmara Municipal, para discutir o uso medicinal da cannabis em Mato Grosso. Na ocasião, ela se comprometeu a elaborar um Projeto de Lei que cria o Dia Municipal da Cannabis Terapêutica e outro que cria uma Lei obrigando o executivo a disponibilizar medicamentos à base da planta na rede pública de saúde.

No âmbito estadual, já existe uma Lei de autoria do deputado Wilson Santos (PSD), que também vem unido forças junto aos ativistas para garantir o direito dos pacientes que necessitam do tratamento à base de canabidiol. Trata-se da Lei 11.883 de 2022, que entrou em vigor no dia 1º de setembro de 2022 e que obriga o Estado a fornecer os medicamentos. “É uma ingenuidade criminalizar a cannabis porque parte dela, notadamente, o CDB, já é reconhecida em muitos países como matéria prima para a elaboração de remédios altamente eficientes no combate a muitas doenças”, disse o deputado estadual. 

“Os helenos diziam que o mais difícil numa conquista não é conquistar o território, mudar a moeda, impor desejos, mas sim mudar a cultura. Mudar a cultura, o conhecimento, a tradição é algo complexo e nós ainda vamos levar um tempo para que essa luta seja plenamente vitoriosa no Brasil”, completou. 

O médico, biólogo, neurocientista, professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisador da Fiocruz, Sidarta Ribeiro revela que há registros do uso medicinal da planta há mais de 3 mil anos, na Índia. Ele também conta que há 2.500 anos foi encontrado vestígios da cannabis na tumba da chamada “Dama do Gelo Siberiana”. Segundo ele, pesquisas a apontaram como portadora de câncer, indicando que ela fazia o uso da planta para tratar a doença. “Esta é realmente uma fronteira de pesquisa muito importante e sugere que aquela ‘Dama do Gelo Siberiana’ não estava enganada em portar a maconha, diante do quadro que ela tinha”, disse Sidarta. 

Segundo Sidarta, já existem estudos indicando as potências antitumorais e os resultados positivos do uso combinado de canabinóides e radioterapia. Observa-se também que há mais de cem canabinóides derivados da planta, todos eles com propriedades anti-inflamatórias. 

“Essas propriedades, que foram identificadas na Idade do Bronze, continuam sendo uma fronteira do conhecimento justamente por causa da proibição, pois, durante muito tempo foi impossível fazer esse tipo de pesquisa. Mas ela está se tornando uma revolução na medicina. Eu digo que a cannabis está para a medicina do século 21, como os antibióticos estiveram para a medicina do século XX, como uma grande mudança de paradigma”, concluiu o médico.

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