Inauguração de maior frigorífico do Nordeste intensifica conflitos por terra em Pernambuco

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Foto: Acervo CPT NE2
Nova fábrica da Masterboi impulsiona pecuária no estado, mas aumenta violência em regiões de antigas usinas de cana; 1.500 famílias vivem sob tensão, com ameaças de morte, invasões, risco de despejo e patrulha feita por homens armados e drones

Por Isabel Harari
Do Repórter Brasil

O novo frigorífico da Masterboi foi inaugurado com festa no último dia 15 de agosto em Canhotinho, a 200 km de Recife (PE). Diante de convidados ilustres, como o governador Paulo Câmara, o presidente da empresa, Nelson Bezerra, disse que o empreendimento “é a realização de um sonho”. A planta é a maior do Nordeste e tem capacidade de abater 700 cabeças de gado por dia.

Mas a menos de 60 km dali, agricultores familiares da região da Mata Sul pernambucana (no sudeste do estado) passaram a viver um pesadelo depois da chegada da pecuária de corte, que está ganhando a disputa por seus territórios e gerando violência. A situação, segundo quem acompanha os conflitos de perto, se agravou com a instalação da Masterboi.

A expansão da pecuária vem ameaçando aproximadamente 1.200 famílias, que vivem e trabalham em engenhos nos municípios de Jaqueira (no entorno da antiga usina de açúcar Frei Caneca) e de Maraial.

“A Mata Sul está virando [mudando] por conta da implantação do frigorífico aqui em Canhotinho”, resume o veterinário Paulo Govêa, que presta assessoria técnica na área de reprodução animal na região.

A região foi o centro da economia da cana-de-açúcar em Pernambuco, mas nas últimas décadas, a queda da produção, a competitividade de outros estados e a dificuldade em modernizar as indústrias mudou radicalmente o cenário. Afogadas em dívidas fiscais e trabalhistas, muitas usinas fecharam: das 42 que estavam em atividade nos anos 1980, restaram apenas 13.

Os antigos trabalhadores que antes se dividiam entre as lavouras de cana e o processamento do açúcar acabaram se estabelecendo nas áreas que ficaram ociosas com a queda da produção. O terreno fértil permitiu que consolidasse uma produção de frutas e legumes que passaram a abastecer a região. Mas nunca tiveram a posse formal da terra.

Agora, as empresas que criam gado para o abate estão comprando essas áreas e querem despejar as famílias, que registram na polícia ameaças, invasão de casas e destruição de roças.

“Sabemos que a tendência é botar boi nas terras, mas estão passando por cima dos pequenos agricultores. E vamos pra onde? Pedir esmola e passar fome na cidade?”, questiona Severino Amaro, agricultor que vive no Engenho Batateiras, em Maraial, a 60 km do frigorífico da Masterboi.

O medo da fome e de perder o teto é grande, e o clima que se instaurou na região já produziu inclusive vítimas fatais. Em Barreiros, um menino de 9 anos foi assassinado dentro de casa, em fevereiro. Ele era filho de uma liderança do engenho Roncadorzinho, que há anos luta pela regularização de suas terras. Embora neste engenho a pecuária ainda não tenha chegado, Geovani Leão, coordenador regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), tem certeza que os casos estão conectados: “A violência foi se espalhando para as outras comunidades”, lamenta.

Moradores e defensores de direitos humanos que trabalham na área afirmam que a Masterboi também tem responsabilidade sobre a situação. “A instalação do frigorífico só aconteceu porque há garantia de que haverá terra para criar gado, e as fazendas estão se expandindo porque tem um frigorífico para comprar”, explica Bruno Ribeiro, assessor jurídico da CPT e da da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado de Pernambuco (Fetape). Para o advogado, a Masterboi deveria ter uma “posição empresarial firme e não alimentar a cadeia de violência”. “Se o grupo dissesse que não vai negociar boi que venha de áreas de lavagem de terras [negociação de terras desvalorizadas para a pecuária], expulsão de trabalhadores, e violação de direitos, certamente essa violência acabaria”.

Repórter Brasil procurou a Masterboi, que disse já ter iniciado o cadastramento dos fornecedores da nova planta, mas não detalhou quem são. Questionada se vai evitar comprar gado de áreas em conflito, respondeu que “agradece a oportunidade, mas, neste momento, não temos muito em que contribuir, porque a unidade de Canhotinho ainda está em fase muito inicial de suas operações”. (Leia na íntegra)

Imobiliária muda de ramo

Quando uma empresa imobiliária arrendou terras da antiga Usina Frei Caneca, em Jaqueira, em 2018, a possibilidade de instalação de um frigorífico na região não passava de um diz-que-me-diz. Ainda assim, a Sociedade Negócios Imobiliários S.A., que oficialmente fazia apenas transações com imóveis, deixou umas cabeças de gado pastando em sua nova área. Mas no final de 2019, dez dias antes que se tornasse público um compromisso entre a Masterboi e o governo de Pernambuco para a instalação da planta de Canhotinho, a imobiliária alterou seu nome para Agropecuária Mata Sul e registrou uma filial para criação de gado.

Os moradores do entorno ficaram apreensivos.

Longe de ser uma área de pastagens, o município de Jaqueira, onde a empresa se instalou, é o lar e o sustento de famílias que se dedicam à agricultura depois que a Usina Frei Caneca fechou. A avó de Antônio Cícero Custódio, do Engenho Barro Branco, trabalhou no processamento de cana, assim como seus pais e tios, e o próprio Antônio, que hoje planta em seu sítio alimentos como macaxeira, feijão, milho e banana.

“De início, era imobiliária, mas com a mudança [para pecuária], o conflito aumentou, e eles foram pra cima da gente”, diz.

A empresa destruiu cercas e soltou gado nas lavouras. Um drone, avistado sobrevoando um dos engenhos também foi obra atribuída à Agropecuária Mata Sul. A violência escalou.

 

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