Por Gonçalo de Barros Neto | Para Aristóteles, nem todo ser dotado de alma é um ser dotado de todas as faculdades da alma. Temos, então, a nutritiva, comum a vegetais, animais e ao homem. A sensitiva, própria dos homens e dos animais. A racional, somente dos humanos.
A faculdade racional, exclusiva dos homens e mulheres, detém as virtudes, sejam éticas (generosidade/esperança) ou dianoéticas (sabedoria/prudência). Alguém pode ser mais racional que outrem? Ter mais ou menos virtude? A racionalidade, considerando a classificação aristotélica, é inata?
Pois bem. Ainda que inata, precisa, penso, ser redescoberta, alimentada, cultivada, num ritual dinâmico de idas e vindas. A cultura, por exemplo, tomada como civilização, e não como refinamento individual ou espírito coletivo (Sapir), pode comportar uma classificação em inferior ou superior, numa progressão histórica ou num esquema evolucionário. Racionalidade e cultura não são processos estanques.
Indicado o referencial, como aferir a racionalidade, com maior ou menor evolução civilizatória, de um povo que aceita, livremente e sem qualquer crítica, afirmações discriminatórias de um seu governante?
Quem não se lembra do primeiro-ministro britânico David Cameron que, ao ser reeleito, andou as turras com os imigrantes? Mandou, em campanha, que voltassem para casa, chegando a afirmar que o seu governo está à disposição para encaminhar dinheirama a outros países para que resolvam o ‘problema’ imigratório. E reafirmou: lá para as suas bandas ninguém entra.
A Inglaterra brindou a humanidade com o pensamento de Austin, Bentham, Clarke, Cohen, Wittgenstain, Hartley, More, Williams, Ockham, Bacon, Locke, Hobbes, Mill, e tantos outros, não pode retroceder, humanitariamente e politicamente, com Cameron ou mesmo com os seus atuais líderes.
Pergunta-se, onde seria a casa de todos nós? Diriam alguns, naquele pedacinho de chão, cercado, dos meus em criação e que fui criado. Somos sempre levados pelas necessidades, pensamos com o estômago.
A humanidade tem lar? E depois criticamos os ciganos e os andarilhos… Até aqui, tudo bem, desde que fôssemos honestos e não disséssemos amém ao invocarmos a metafísica. Tudo depende do conceito, do paradigma, que para Platão é a verdadeira realidade. E nela, se insere as doloridas palavras do ex-primeiro-ministro Cameron.
Encerro, por aqui, com as palavras de Herculano Pires – ‘O conceito é uma conquista da evolução psíquica. É o momento em que a mente se liberta do objeto, criando o seu próprio universo. Uma vez compreendida a sua função, conhecido o seu valor, o espírito se livra do peso da matéria. A antinomia existencial se define: de um lado está a coisa, o objeto, a matéria, na sua diversidade, na sua confusão; de outro está o espírito que percebe, que capta, que apreende essa diversidade, na sua confusão; de outro está o espírito que percebe, que capta, que apreende essa diversidade; e no meio, entre um e outro, está o conceito, representação pura do impuro, imagem perfeita do imperfeito, simbologia homogênea do heterogêneo; intermediário do ser e o não-ser, chave de controle de toda a realidade’.
É por aí…
Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia e Direito, magistrado, criador da página Bedelho.Filosófico no Insta, Face e You Tube e é articulista em A Gazeta