O Governo do Estado vai decretar, ainda nesta segunda-feira (14), estado de calamidade por conta dos incêndios florestais. A medida permite dobrar a estrutura para a prevenção, combate e autuação dos incêndios florestais em Mato Grosso, especialmente na região pantaneira.
O anúncio foi feito pelo governador Mauro Mendes, após reunião com os secretários Alexandre Bustamante (Segurança Pública), Mauren Lazzaretti (Meio Ambiente) e com os comandantes do Corpo de Bombeiros, coronel Alessandro Borges, e da Defesa Civil, coronel Cesar Viana Brum.
Mendes ressaltou que o Governo do Estado tem planejado e atuado nessa frente desde março, sendo que hoje há em torno de 2500 profissionais envolvidos no combate, “das forças de Segurança, da Defesa Civil, dos Bombeiros, voluntários e até no Exército Brasileiro”. Além disso, mais de R$ 22 milhões, de recursos próprios, já foram investidos para o combate às queimadas neste ano.
“Temos seis aeronaves ajudando nesse combate, três helicópteros e 40 equipes em todo o estado. Vamos baixar um decreto de calamidade que vai nos permitir contratar em regime de urgência, o que vai permitir dobrar essa estrutura e também ampliar toda a estrutura existente hoje para proteção dos animais, para resgate, principalmente para o Pantanal”, explicou.
Também será permitido o uso de retardante para controlar o fogo. A utilização da substância já foi testada pelo Corpo de Bombeiros e aprovada pela equipe técnica da Secretaria de Meio Ambiente.
Mendes reforçou a política de Tolerância Zero para quem causar incêndios de forma criminosa. Somente de janeiro a agosto, já foram aplicados R$ 107,3 milhões em multas pelo uso irregular do fogo e R$ 805 milhões por desmatamento ilegal.
Outra ferramenta que tem sido usada é o sistema de monitoramento via satélite, que detecta os focos de calor quase em tempo real. Com esses dados, já foi possível realizar perícia em várias regiões aonde ocorreram incêndios, inclusive o Pantanal.
“Peço a colaboração da população para denunciar se vir alguém fazendo um desses incêndios de forma criminosa. A grande maioria é acidental, mas quando começa fica incontrolável face a grande massa de matéria orgânica acumulada e as condições climáticas. Não iremos economizar recursos para minimizar o impacto desses incêndios em todo o estado de Mato Grosso”, completou.
Alerta climático
Um incêndio está queimando desde meados de julho no Pantanal, deixando um rastro enorme de destruição em uma área maior do que a cidade de Nova York.
Uma equipe de veterinários, biólogos e guias locais chegou no final de agosto para percorrer a esburacada estrada de terra conhecida como Rodovia Transpantaneira tentando salvar animais feridos.
Onças-pintadas vagam pelo terreno carbonizado com fome e sede, as patas queimadas e os pulmões enegrecidos pela fumaça. Eles também relatam corpos de jacarés com mandíbulas congeladas em gritos silenciosos, o último ato de criaturas desesperadas antes de serem consumidas pelas chamas.
Este é um dos milhares de incêndios que varrem o Pantanal brasileiro — a maior área de planície alagada do mundo — neste ano, no que os cientistas climáticos temem que possa se tornar um novo normal, repetindo outros casos de aumento de incêndios causado pelo clima, da Califórnia à Austrália.
Os incêndios agora estão ameaçando um dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta, dizem os biólogos. O Pantanal abriga cerca de 1.200 espécies de animais vertebrados, incluindo 36 ameaçados de extinção. Em toda esta paisagem geralmente exuberante de 150.000 quilômetros quadrados, pássaros raros voam e a mais densa população de onças-pintadas do mundo vagueia.
O fogo não é novidade na região. Por décadas, os fazendeiros usaram as chamas para devolver nutrientes ao solo de forma barata e renovar o pasto para o gado de corte. Mas essas chamas, alimentadas pela seca, agora queimam com força histórica, correndo pela vegetação ressequida. Os maiores incêndios no Pantanal neste ano representam o quádruplo do tamanho do maior incêndio na floresta amazônica, mostram os satélites da Nasa.
Um recorde de 23.490 quilômetros quadrados foi queimado até 6 de setembro — quase 16% do Pantanal brasileiro, de acordo com uma análise da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No mês passado, a Reuters testemunhou um incêndio que atingiu de uma floresta a uma pastagem perto do portal turístico de Poconé, no Estado de Mato Grosso. A temperatura no solo subiu para 46,5ºC.
Dorvalino Conceição Camargo, um lavrador de 56 anos com um chapéu de palha comum entre os trabalhadores locais, ajudou a conter as chamas.
Suando com o esforço, Camargo disse que nunca tinha visto fogo tão forte.
“Sofre tudo”, disse ele, explicando que “o gado está sofrendo, (mas) não é só o gado, sofre tudo.”
Nada de inundação
O Pantanal é conhecido por ser úmido, não seco. A maior planície inundável do mundo normalmente se enche de água durante a estação chuvosa, de novembro a abril de cada ano.
Camargo lembra de ter navegado nas águas ainda criança em canoas. De volta à fazenda onde trabalha, ele mostrou a marca d’água da fazenda — 70 centímetros acima do solo — talhada no poste de um curral de gado. Mesmo em um ano seco, normalmente é cerca de metade disso, disse ele.
Este ano, as inundações não vieram. Apenas um pouco de água se acumulou em uma vala próxima, afirmou ele.
Agora, com a evaporação da água na estação seca, o rio Paraguai, que corta o Pantanal, atingiu seu ponto mais baixo desde 1973, segundo Julia Arieira, pesquisadora de clima da Universidade Federal do Espírito Santo.
Os especialistas atribuem a seca ao aquecimento do Oceano Atlântico, logo acima do equador, que está retirando a umidade da América do Sul e a enviará para o norte, provavelmente na forma de furacões mais fortes.
O cientista da Nasa Doug Morton disse que este fenômeno é causado por mudanças na temperatura do oceano conhecidas como Oscilação Multidecadal do Atlântico — o equivalente do Oceano Atlântico ao El Niño no Pacífico. Ao contrário do El Niño, que normalmente acontece a cada 2-7 anos, a Oscilação alterna entre quente e frio aproximadamente a cada 30-40 anos.
Quando esquenta, como acontece desde a década de 1990, é mais provável que ocorra o aquecimento do Atlântico Norte tropical, contribuindo para as secas e incêndios sul-americanos.
As mudanças nas temperaturas do oceano são “um provável fator das condições de seca que temos visto até agora este ano no Pantanal”, de acordo com Morton, que lidera o laboratório de ciências biosféricas da Nasa.
Morton afirmou que a fase quente também pode estar contribuindo para mais seca na parte sul da Amazônia, onde os incêndios provavelmente atingiram em agosto o maior número em 10 anos, e nos pântanos da Argentina, onde as chamas são as piores desde 2009.
Mais preocupante ainda, Morton teme que o aquecimento global possa desorganizar a Oscilação e deixá-la permanentemente na fase quente, contribuindo para mais incêndios.
No governo de Jair Bolsonaro, o Brasil também enfraqueceu a fiscalização ambiental. O Ministério do Meio Ambiente não respondeu a um pedido de comentário.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, visitou o Pantanal em agosto, dizendo que as agências ambientais federais enviaram cinco aeronaves e funcionários adicionais para ajudar os mais de 100 bombeiros estaduais que combatem as chamas.
Animais mortos
Nenhum ser humano morreu nos incêndios do Pantanal, segundo o tenente-coronel Jean Oliveira do estado de Mato Grosso, que tem liderado todos os órgãos do governo na resposta ao incêndio.
As vítimas, disse ele, são animais selvagens.
Embora não haja uma contagem exata, no mínimo milhares de animais morreram, segundo o biólogo Rogério Rossi, da Universidade Federal de Mato Grosso.
A equipe veterinária itinerante é capaz de salvar apenas uma pequena fração dos animais feridos. Muitas dessas criaturas são difíceis de pegar, estão longe das estradas acessíveis.
O veterinário Jorge Salomão Jr. fez um inventário da carnificina.
“Vimos muitos animais mortos, principalmente répteis, serpentes, jacarés”, disse ele. “Vimos muitos cervos mortos, antas mortas, macacos mortos, quati mortos”.
Na área queimada de 1.347 quilômetros quadrados perto da cidade de Poconé (MT), cobras mortas são vistas a cada poucos metros.
A guia local Eduarda Fernandes, que está trabalhando com a equipe de resgate, andou pela área com os pés afundando na fuligem.
Ela pegou uma cobra petrificada no fogo que havia mordido o próprio corpo. Um biólogo disse ter sido provavelmente uma reação involuntária, com o animal buscando qualquer forma de escapar da dor de ser queimado vivo.
Questionada sobre o que ela achava que aconteceu, Fernandes respondeu: “Dor. Desespero”.
*Com informações do G1
Fonte: Mato Grosso Mais