Ferrovia, coincidências?

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Por José Antônio Lemos | O que primeiro me chamou a atenção para algo estranho em relação à ferrovia em Mato Grosso, em especial sua passagem por Cuiabá, foi o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em fins de 2008 ter contemplado a Ferronorte até Rondonópolis e excluído sua extensão até Cuiabá. Além disso, a surpresa pela inclusão da FICO, uma ideia então recente, também incluída rapidamente no Plano Nacional de Viação (PNV). E lembrar toda a luta do saudoso senador Vuolo para esta mesma inclusão no PDV da ferrovia Rubineia (SP)- Cuiabá em 1976.

Antes de avançar, lembro que Mato Grosso na época acabara de passar por uma forte movimentação de parte da classe política pela sua divisão territorial, inclusive com a apresentação na Câmara dos Deputados de um projeto nesse sentido, até hoje não retirado, propondo a divisão em três. Contudo, sem repercussão popular esta estratégia foi logo trocada pelos interessados por outra, mais sutil e poderosa.

A rápida criação da FICO, mais a exclusão do PAC dos trilhos de Cuiabá e mais as articulações divisionistas, remeteram a um fato que em 2006 havia sacudido a política estadual deixando o mato-grossense intrigado. Relembro: no segundo turno das eleições presidenciais daquele ano a parcela mais poderosa do agronegócio em Mato Grosso de surpresa manifestou apoio à reeleição do presidente Lula. O mais forte grupo capitalista do estado e um dos maiores do Brasil apoiando um candidato socialista à Presidência da República? Pois aconteceu.

Dois anos após, a FICO chegava trazendo as primeiras luzes sobre o assunto. Com a eleição do presidente Lula o grupo do agronegócio que o apoiou no segundo turno no estado ficou com a presidência do DNIT, assumindo de imediato o cargo em 2007. Logo apareceu o projeto da FICO com a VALEC. Surgiu como uma transversal ligando a Norte-Sul a Vilhena (RO) com um primeiro trecho entre Água Boa (MT) à Uruaçu (GO), e caminhou “a jato”: ainda sem projeto entrou no PNV e logo no PAC mesmo com “detalhes a definir”. Ao mesmo tempo, como em uma operação casada, era excluído o trecho Rondonópolis – Cuiabá. Logo após, de forma no mínimo estranha para uma grande empresa internacional do ramo ferroviário, a ALL devolveu à União a concessão que herdou da Ferronorte nos trechos pós Rondonópolis, milhares de quilômetros de ferrovias em uma das regiões de maior produção de alimentos no mundo. Estranho, não? A seguir, em 2012 surgem as primeiras notícias sobre a Ferrogrão em um dos trechos devolvidos pela ALL, ligando Miritituba (PA), mas só até a Sinop. Fechando o desenho de exclusão da Grande Cuiabá, em 2013 a presidenta Dilma inaugura em Rondonópolis o maior terminal ferroviário da América Latina. Coincidências ou armação?

Insisto que o mal não está nas novas ferrovias, mas na exclusão da Grande Cuiabá. O quadro engatilhado é o de ferrovias puxando parte da produção estadual para Goiás, outra para o Pará e outra para São Paulo, com a Baixada Cuiabana, a Ecovia Paraguai/Paraná e a ZPE de Cáceres excluídas, inviabilizando a verticalização da economia mato-grossense no próprio estado e rasgando Mato Grosso em três. Caso este desenho se confirme estariam criadas as condições geopolíticas para uma divisão induzida do estado, “natural”, em curto prazo.

Contudo, para concluir esta armação ainda falta o arremate final, a ligação direta de Rondonópolis à Nova Mutum cujo único obstáculo seria uma reação da sociedade civil de Cuiabá e região metropolitana, contando com as 20 milhões de toneladas/ano de carga de retorno dirigidas à ela e do interesse manifesto da Rumo, empresa que se mostra séria em sua missão de transportar cargas. Contando também com as eleições e a força do voto do maior eleitorado estadual. Veremos.

José Antonio Lemos, arquiteto e urbanista, é conselheiro licenciado do CAU/MT, acadêmico da AAU e professor aposentado

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