Há oito anos, Cuiabá foi remodelada para receber o VLT. As principais vias, tanto de Cuiabá quanto de Várzea Grande, tiveram seus canteiros centrais adaptados para implantação do modal. Árvores foram retiradas e algumas casas nas imediações foram desapropriadas e demolidas.
Nas avenidas que abrigavam grandes comércios hoje, porém, é difícil encontrar algum estabelecimento aberto.
Em vez da modernidade, as obras dificultaram o acesso à avenida, o que fez com que o movimento diminuísse e os recursos ficassem escassos.
Ao lado do aeroporto Marechal Rondon, o que se vê são estruturas de concreto e vigas metálicas do que um dia seria o VLT.
Nas demais avenidas, trilhos abandonados são a única lembrança da promessa, cobertos de mato pelo abandono.
Os vagões que por lá deveriam passar seguem estacionados no que foi denominado “cemitério do VLT”. Embaixo de sol e chuva, eles se deterioram à espera da resolução do imbróglio.
Eleito no 1º turno das eleições de 2018, o governador Mauro Mendes (DEM) prometeu apresentar uma solução definitiva para a novela. Nesta semana, porém, admitiu que não conseguirá cumprir a promessa de campanha e adiou a definição dos rumos da obra para 2020.
Eu realmente disse que em até um ano daria uma solução. Peço desculpas. Não foi possível. Nós criamos uma comissão e tivemos que colocar o governo federal, porque tem verba federal, tem financiamento feito pela Caixa Econômica
“Eu realmente disse que em até um ano daria uma solução. Peço desculpas. Não foi possível. Nós criamos uma comissão e tivemos que colocar o governo federal, porque tem verba federal, tem financiamento feito pela Caixa Econômica”, disse o governador.
Desde julho de 2019 um grupo de trabalho com representantes da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana e do governo do Estado estuda a viabilidade da construção do VLT. Em novembro, o grupo pediu prazo de 120 dias a mais para estudo, sob o argumento da complexidade do modal.
No início do mês, o estado contratou uma empresa para atualizar os dados de demanda e apresentar estudo de viabilidade econômico financeira nas modalidades, por R$ 464,3 mil.
De acordo com o estado, o estudo visa saber o valor da tarifa que o VLT deverá cobrar caso entre em funcionamento. Atualmente, a passagem de ônibus na Capital custa R$ 4,10.
Porém, em 2016 o estado já havia contratado uma empresa para fazer o mesmo estudo. Na época constatou-se que, cobrando o mesmo que a tarifa de ônibus, o estado teria que investir R$ 37 milhões por ano para manter o funcionamento do VLT.
A contratação do novo estudo foi exigência da Secretaria de Mobilidade Urbana, do governo federal, e vai subsidiar o relatório final de grupo de trabalho para embasar escolha do modal utilizado.
Um relatório entregue no final do ano passado pela gestão passada para a equipe de transição do atual governo apontava que, para retomar as obras do VLT a partir de deste ano e concluí-las dentro de um prazo de 20 meses, o governo do Estado teria que investir cerca de R$ 400 milhões.
Para isso, o Executivo teria que realizar um procedimento de manifestação de interesse (PMI), o que abriria as portas para empresas interessadas em tocar a obra realizarem uma parceria público-privada (PPP) com o Estado.
Segundo o relatório, a redução dos custos para concluir o VLT teria como principal motivo a readequação do projeto inicial, o que inclui a exclusão de viadutos e trincheiras que seriam construídos.
As plataformas de embarque e desembarque nas 32 estações, projetadas com largura de 5 metros, passariam a ter 3 metros. A mudança impactaria o custo, principalmente porque o estado não teria que realizar mais desapropriações de áreas.
Apesar do imbróglio, existe dentro do governo quem defenda o abandono do VLT e a construção de um BRT (via expressa de ônibus com pagamento antecipado da passagem).
Já nas ruas da capital, o tema divide a população. Para o desossador José Ricardo Cardoso Pereira, 49, que depende do transporte público, a conclusão do VLT diminuirá as horas perdidas no trânsito todos os dias para ir e voltar ao trabalho.
“Tem que terminar sim porque é melhor para todo mundo. Querem destruir tudo o que foi feito. Mas o certo é terminar tudo, não pela metade”, afirma José Ricardo.
“Destruíram as coisas, agora tem que continuar. Deixaram a cidade em péssimas condições, mas tem que voltar, já está há cinco anos parado. Agora depende do pessoal [políticos] fazer acontecer”, defende o vigilante Roberto Alves, 59.
Já a auxiliar administrativa Carmem Lúcia de Souza, 56, não vê vantagem em gastar ainda mais nas obras do VLT. “Eu acho que deve desistir. Já gastou o que tinha que gastar e ainda trouxe transtornos para o trânsito. Já replantaram grama em vários lugares, é melhor largar mão e colocar dinheiro na educação e na saúde, que estão precisando.”
Entenda o imbróglio
A obra do VLT de Cuiabá, prometido para a Copa-2014, se tornou símbolo de erros de planejamento, incompetência, desperdício do dinheiro público e corrupção.
Cinco anos e cinco meses após o último jogo da Copa no país, o VLT ainda é uma incógnita para a população e para o governo estadual, que aguarda um estudo realizado em conjunto com a União para saber qual é a real situação das obras e se ainda existe viabilidade para a conclusão.
Saiba o que aconteceu com os os 22 km da obra:
Contrato
– Quando Cuiabá foi escolhida cidade-sede da Copa, o governo optou pelo sistema de corredores exclusivos para ônibus, o Bus Rapid Transit (BRT), orçado em R$ 423 milhões. Contudo, o governo decidiu pela instalação do VLT e apresentou uma série de argumentos e benefícios deste modal;
– O Contrato do VLT foi assinado em junho de 2012, na gestão do então governador Silval Barbosa, com as empresas CR Almeida, Santa Bárbara, CAF Brasil Indústria e Comércio, Magna Engenharia Ltda e Astep Engenharia Ltda;
– Pelo valor estimado de R$ 1,4 bilhão, VLT deveria ser entregue para a Copa do Mundo de 2014, 24 meses após a assinatura do contrato;
– Projeto previa a construção de 22 quilômetros com 33 estações de embarque e desembarque de passageiros, entre Cuiabá e Várzea Grande. Em novembro de 2013, parte dos vagões adquiridos chegou à capital.
Atrasos
– Em março de 2014, quando a obra deveria ser entregue, o governo anunciou a assinatura de um termo aditivo para a conclusão do modal até dezembro do mesmo ano. Na ocasião, foi assegurado que não haveria acréscimo no valor da obra por se tratar de um RDC (Regime Diferenciado de Contrato);
– Ainda assim, o projeto não foi concluído. Consórcio alegou a falta de pagamento por parte do Governo do Estado nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2014 e paralisou seu trabalho no final do ano. Até então, apenas 30% da obra havia sido concluída.
Auditoria e irregularidades
– Em 2015 o governador Pedro Taques assumiu o lugar de Silval. Diagnóstico do novo governo apontou problemas na execução das obras, ausência ou insuficiência de projetos, desatualização do cronograma, falta de qualidade nas obras e erros grosseiros de construção;
– Taques tentou entrar em acordo com o consórcio para retomada da obra em agosto, contudo o Ministério Público Federal (MPF) foi contrário as negociações e o VLT continuou paralisado. Nesse período, foi realizado estudo de viabilidade econômica para conclusão ou não do projeto;
– Operação Descarrilho, deflagrada em agosto de 2017 pela Polícia Federal, com base em investigações do MPF, apurou crimes de fraude em procedimentos licitatórios, associação criminosa, corrupção, peculato e lavagem de dinheiro que teriam ocorrido durante a escolha do modal e execução da obra;
– Investigação começou após denúncia do lobista Rowles Magalhães. De acordo com seu relato, empresas se envolveram em esquema de pagamento de propina no valor de R$ 18 milhões. O dinheiro seria utilizado para quitar dívida durante campanha ao governo do estado em 2010. O ex-governador Silval confessou as informações;
– Auditoria realizada pela empresa KPMG constatou que o Estado adquiriu nove vagões a mais do que seriam necessários para a implantação do modal. MPF afirmou que a compra foi feita para garantir o pagamento da propina acertada entre Silval e o Consórcio VLT;
– Governo estadual, então, anunciou o rompimento das negociações e tratativas com o Consórcio VLT devido às novas denúncias. O governo suspendeu o diálogo e prometeu nova licitação;
Judicialização
– Em junho de 2019 o Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve a rescisão unilateral do contrato entre o governo e o Consórcio VLT;
– As empresas do Consórcio recorrem da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que já negou por duas vezes os recursos;
– As obras do VLT permanecem paralisadas desde dezembro de 2014, e cerca de seis ações judiciais estão em andamento na Justiça federal e estadual;
Quanto foi pago
– O governo do Estado já desembolsou R$ 797,82 milhões para pagar o empréstimo de R$ 1,4 bilhão junto à Caixa Econômica e ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social);
– Ainda assim, a continuidade das obras depende de processos judiciais tanto na Justiça Estadual quanto na Federal.
Fonte: Midia News