Como sabemos em vista da acelerada profusão das tecnologias de comunicação, as possíveis e irreparáveis lesões provocadas pelo abuso no exercício da liberdade de informação, consistem em uma problemática que têm despertado o interesse de profissionais da imprensa, agentes de segurança pública, operadores e aplicadores do direito.
As inúmeras e recentes operações policiais e todas as polêmicas em torno de mandados de buscas e apreensões reservam ao tema caráter extremamente atual. Nessa perspectiva, dados transmitidos às mídias (sites, blogs), a respeito de determinadas ocorrências policiais, podem ser veiculados sem que aqueles ditos profissionais, busquem os fatos acontecidos em sua verdadeira essência.
Em muitos casos, em fração mínima de tempo, o cidadão, que fora apresentado à autoridade policial como um simples ‘suspeito’, tem sua face estampada em jornais, sites e programas televisivos especializados, rotulado como criminoso de alta periculosidade.
Diante desse estado de coisas, emergem alguns questionamentos e apontamentos, a saber: Na hipótese em que a divulgação de fatos, em nome da liberdade de informação, poderia antecipar os efeitos da condenação do indiciado, lesionando a presunção de inocência?
Em que circunstâncias isso se daria? Quais as conseqüências dessa lesão para a vida de inocentes? Os policiais, agentes públicos e/ou autoridades constituídas que transmitem informações midiáticas à imprensa podem ser responsabilizados? Eis a indagação.
Por isso, partimos da idéia de que a novel Lei 13.869/2019 que versa sobre abuso de autoridade deve ser interpretada em um ponto de equilíbrio capaz de enfrentar eventuais excessos praticados por autoridades públicas, de modo a mantê-lo dentro dos limites constitucionais para atuação estatal, mediante respeito aos direitos fundamentais de modo a evitar a criminalização midiática.
Na verdade, ao longo de todo o processo penal e antes dele, qualquer desrespeito a uma destas regras consiste em um ataque dirigido contra a própria presunção de inocência. Por essa razão, assenta a liberdade de expressão entre uma das características mais marcantes das atuais sociedades democráticas, constituindo um dos principais termômetros do regime democrático.
É nesta que se centra a liberdade de informação que assume características modernas, superadoras da ‘velha liberdade de imprensa’. Nela se concentra a liberdade de informar e é nela ou através dela que se realiza o direito coletivo à informação, isto é, a liberdade de ser informado.
Mas o deletério peculiar de silenciar a expressão de uma opinião é o de espoliar a raça humana, tanto na posteridade quanto na geração presente; mais aos que discordam da opinião do que aos que a sustentam. Se a opinião é correta, acham-se privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade, se errônea perdem – o que é benefício quase do mesmo valor – a percepção mais nítida e a impressão mais vigorosa da verdade, produzida por sua colisão com o erro.
A par disso, a verdadeira missão da imprensa/mídia, mais do que a de informar e de divulgar fatos, é a de difundir conhecimentos, disseminar a cultura, iluminar as consciências, canalizar as aspirações e os anseios populares, enfim, orientar a opinião pública no sentido do bem e da verdade na acepção da palavra.
Entretanto, quando certos indivíduos, principalmente aqueles revestidos de ‘autoridade pública’ são execrados, à revelia do devido processo legal, tem-se o flagrante e imoral ultraje do princípio da presunção de inocência.
Digna de reflexão é a forma como são veiculadas pela mídia supostas práticas criminosas, geralmente de maneira imprudente e sensacionalista, em claro afronte à privacidade daqueles que são submetidos à persecução criminal, não muito longe, como recentemente veio à tona nas mídias locais operação policial em desfavor do renomado colega doutor Luiz Antonio Possas de Carvalho.
Em flagrante desrespeito a presunção de inocência, por vezes, em subserviência ao poder da imprensa, alguns agentes públicos vedam o acesso do advogado/defensor ao inquérito policial, mas na televisão, sites e jornais mostram cópias dos depoimentos em primeira mão e divulgam tudo que é interessante.
Do exposto, permite-se inferir que, ao tempo em que a Constituição Federal, no artigo 5º, LVII, assentou a presunção de inocência entre os princípios basilares do Estado de Direito, também assegurou a liberdade de informação que visa proteger o direito do cidadão de receber a informação mais completa possível sobre todos os fatos de interesse público.
Não é aceitável que se combata o crime fora das balizas traçadas pela Constituição Federal e pelas leis democraticamente votadas. Prender antes do julgamento final é algo excepcional e, rigorosamente, só tem lugar quando houver indeclinável necessidade, fora disso, temos o arbítrio e o desrespeito intolerável praticado, merecendo sistematicamente toda repulsa por parte da sociedade e dos operadores do direito.
José Ricardo Costa Marques Corbelino é advogado em Cuiabá/MT e membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM – email: [email protected]