CULTURA/COMPORTAMENTO DO RURAL PARA O URBANO – BOIS CRIADOS COMO ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

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Thays Aguiar

Estudante de jornalismo da Unemat – especial para o Jornal do Ônibus

Esta reportagem foi pensada para quebrar alguns preconceitos que envolvem a criação de bois. Por eu ser natural de São Paulo – SP, Mato Grosso sempre foi muito distante da minha realidade, e criar bois pra mim era algo estranho e diferente. O que eu não sabia é que essa cultura enraizada em Alto Araguaia – MT, onde curso o 6º semestre de    Jornalismo, é algo que muda a vida de muitas pessoas, incluindo adolescentes. Então, nada melhor do que me informar e informar quem também desconhece essa cultura. 

 

Bom, bicho de estimação é comum em qualquer família, né!? Mas a história que eu vou contar agora é diferente. Você já ouviu falar em bois de estimação?

 

Primeiro, deixa eu te situar… Alto Araguaia é um município do sudeste de Mato Grosso, que possui aproximadamente 18 mil habitantes, segundo o IBGE. A distância até a capital Cuiabá é de 427 km.

 

Apesar de ser uma cidade de Mato Grosso, segue muitas influências de Goiás, por fazer divisa com o município de Santa Rita do Araguaia (cerca de oito mil habitantes).

 

Os bois são chamados “de estimação” porque a maioria do grupo de seus donos não tem pasto para colocar os animais, e então os levam para dentro de suas casas. Cuidam deles como se fossem os melhores amigos, no aconchego do lar. O banho é no fundo da casa, com sabão de coco, porque o PH é balanceado, assim não irrita a pele. Em seguida são levados ao sol para secar naturalmente. O pote de água é trocado duas vezes ao dia, assim como o de ração.

 

Dos encontros

“Comitiva Domadores”, este é o nome dado ao conjunto de amigos que montam em bois e que os têm como animais de estimação. Cerca de 60 pessoas fazem parte do grupo; a idade varia entre 12 e 50 anos. Apesar de morarem em Alto Araguaia, os encontros e as caminhadas com os bois até julho de 2017 eram feitos em Santa Rita, porque na cidade mato-grossense desde o início do ano é proibido andar de boi. Acima de dois animais já se considera uma cavalgada, e o Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) só autoriza o passeio a pessoas que possuem GTA, uma guia a ser paga por animal, e com aviso prévio de quando se vai montar.

 

Régis Oliveira Paes, de 28 anos, é natural de Alto Araguaia e foi quem ‘inventou’ os encontros de bois. Tudo começou quando ele e dois amigos, em 2010, por participarem de cavalgadas em outras cidades, sentiram-se atraídos pela figura do boi, e assim resolveram andar com os seus. No início, a comunicação se dava através de ligações para os telefones fixos; eram no máximo cinco pessoas. Em 2016 eles adquiriam celulares mais modernos e a partir de um grupo no aplicativo para smartphones Whatsapp convidaram outros amigos. O mecanismo ajudou a combinarem as reuniões e as tornarem periódicas.

 

“Não era tanta gente que gostava de bois antigamente, eram apenas uma ou duas pessoas. Boi era relíquia, quem tinha era diferenciado. Hoje em dia está mais acessível, aqui em Alto Araguaia tem cerca de 50 a 60 bois domados”, comenta Régis.

 

O ponto de encontro inicial era um terreno baldio ao lado da escola de ensino fundamental Maria Auxiliadora, no centro de Alto Araguaia, próximo ao rio Araguaia.

 

Os amigos andam com seus animais de estimação vestidos a caráter. Camisa, cinto, bota, chapéu e calça jeans. Eles possuem uma camiseta vermelha que identifica a comitiva, mas só a usam em dias especiais.

 

“Esse ano nós ganhamos o prêmio de segunda melhor comitiva do país, na Festa do Carreiro, em Portelândia GO, há 68 km de Alto Araguaia. Havia 19 equipes concorrendo”, conta, orgulhoso.

 

Durante o percurso, de aproximadamente 5 km entre ida e vinda, que é o mesmo na maioria das vezes (avenida principal de Santa Rita), os mais velhos bebem pinga e os menores param na sorveteria.

 

A turma tem parceiros em Alto Garças MT (a 57 Km de Alto Araguaia), Alto Taquari MT (a 68 km), Mineiros GO (a 91 km). E convida os colegas quando faz um encontro maior.

 

Assim que chegam no pasto combinado, sem dias exatos na semana mas sempre às 16h, os amigos papeiam até todos chegarem para dar início ao percurso. Num piscar de olhos se formam as rodas de conversa sobre os mais variados assuntos. Além de conversarem a respeito dos animais, os amigos comentam sobre mulheres, rodeios e falam mal da vida alheia, tomando o tradicional tereré, uma bebida típica sul-americana feita com a infusão da erva-mate em água fria, que pode ser consumido com limão, hortelã, entre outras misturas.

 

“Teve um dia que nóis (sic) tava (sic) falando de um amigo que foi montar no boi e caiu de costa na merda (risos)”, lembra Lucas Danilo de Souza Martins, de 22 anos.

 

Durante o passeio rola uma música pra “animar a galera”, e o ritmo preferido dos encontros é o “sertanejo raiz”. “Tião Carreiro” é o mais ouvido entre os amigos. O cantor e instrumentista influenciou muitas duplas com o seu estilo. Tião Carreiro foi o precursor do “Pagode”, ritmo que ousou em criar com base na viola e em seu ponteado. As letras de seu pagode contemplam a magia da vida na roça e na labuta caipira.

 

O ritmo sertanejo está enraizado na cultura dos vaqueiros. Os músicos deixam de ser anônimos nos festejos de bois e em sua maioria saem da zona rural para chegar ao centro da cidade.

 

 

Peão, salva-vidas, domador… 

Régis atuou como salva-vidas em rodeio em Alto Araguaia e localidades vizinhas, mas seu amor pelo boi vem de longa data. Em 2008 começou a montar o animal como peão de rodeio pelo país todo, mas sempre representando sua cidade natal. Na época tinha 19 anos, porém sua carreira na montaria foi curta, porque em uma das competições caiu de cima do animal e foi pisado por ele, o que lhe causou uma hemorragia interna.

 

Após sair do coma de 15 dias, o peão resolveu trabalhar como salva-vidas, já que a montaria não dava mais. Porém, ele acabou deixando a prática em 2015, por se acidentar diversas vezes. Então começou a domar bois.

 

O interesse pelo animal surgiu na adolescência, quando olhava um amigo domar (adestrar) o animal e resolveu seguir seus “passos”. O primeiro boi domado não era dele, pertencia a Milton Morbeck (empresário e neto de José Morbeck, uma das figuras históricas de Alto Araguaia). Era um animal macho e fêmea, os dois sexos em um só, ou seja, hermafrodita, um/a novilho/a que recebeu o nome de Luana.

 

“Muitas pessoas me perguntavam se eu amansava (animais) e eu nunca imaginei isso, mas um dia recebi o convite para amansar e assim comecei e nunca mais parei. Já amansei mais ou menos 40 animais, não só em Alto Araguaia, mas em Portelândia, Mineiros e Alto Garças.”

 

Além do que se imagina

O domador acredita que além de esporte e hobby, a criação e o cuidado com os animais têm um papel social na comunidade em que mora.

 

“Tem um garoto de 14 anos que estava internado em uma clínica de reabilitação, e quando ele chegou na cidade apresentei a ele um bezerro, e dei a liberdade para cuidar do animal como se fosse dele, aí ele não tinha tempo para fazer coisa errada. Sei lá, mas alguma coisa me diz que eu preciso fazer isso”, conta Régis.

 

Lucas, natural de Alto Araguaia, desde criança cultiva o sonho de ter um boi. Quando era mais novo não teve essa oportunidade, pois o animal é caro, custa em média 10 mil reais na região. Hoje se sente realizado por ter seu animal de estimação.

 

“O boi é um animal rústico e feroz. Antes de montar nele, era uma fera, e isso faz surgir adrenalina (‘Que é muito bão’) e a emoção de cê falar assim: ‘Eu mexi com ele, ele era brabo e hoje ele é meu amigo’. Hoje ele se tornou o melhor amigo da gente. Diferente do cavalo, que é dócil, o boi é misterioso. Então, é a adrenalina que surge na hora”.

 

Por ser rústico e feroz, é preciso “educar” o animal de estimação. Mas a forma como os donos fazem isto dá a falsa impessão de que estão maltratando os bois.

 

“Nóis tá aqui porque nóis ama o animal e nóis gosta dele. Nóis não tem um local certo pra educar o boi, nóis educa em qualquer lugar. Pra educar ele a gente precisa dar uma chicotada, aí o pessoal fica olhando com cara ruim pra gente, acha que a gente tá judiando”, diz Lucas.

 

Virou assunto de família

No início, foi difícil para Lucas convencer a família a “adotar” um boi. Os pais não concordavam com o animal em casa, porque era preciso dar banho, e quando defecava tinha que limpar. Mas com o tempo eles “pegaram amor” igual ao filho.

 

Antes o animal ficava em sua casa, no bairro Vila Aeroporto, em Alto Araguaia. Mas o espaço se tornou pequeno e Lucas teve que levá-lo para a chácara da avó, próximo ao rio Aninha, na cidade.

 

Tulio Lourenço Rodrigues de Barros tem 12 anos, é o mais novo do grupo e também teve que “dobrar” a família. Sapeca, ele conta que nos encontros gosta de ‘atentar’ os mais velhos, e se diverte quando vê seus colegas caírem. Por ser o menor, é “zoado” pela turma, então depois quer descontar nos parceiros. Os amigos sempre o colocam para montar, porque ele ainda não tem seu boi de estimação.

 

“O que quero para o meu futuro é ser montador de boi, talvez peão de rodeio, e quando tiver filhos quero que eles me puxem também.”

 

Terá de convencer o pai,Valdeson Rodrigues Santos, de 39 anos, que quando mais novo montava em bois por esporte e hoje tem medo de deixar o filho seguir o mesmo caminho, por achar perigoso.

 

A recusa da família é também por causa da pouca idade e do prejuízo aos estudos. É que o jovem chega à noite de alguns encontros e acaba faltando ao colégio. Ele estuda na Escola Municipal Inácio Fraga e está no 7° ano do ensino fundamental.

 

Porém Tulio tenta um acordo. “Minha mãe disse que se eu me comportar, se eu for bem na escola, ela pode me dar um boi, de qualquer tamanho.”

 

Cuidados com o boi

Além de carinho e amor, alguns cuidados são primordiais com “os melhores amigos”.  

 

Ração – No tempo de chuva é sal mineral e ração de confinamento, um alimento que engorda; preparada para fazer o animal comer. Na fase da seca, um “proteinado” com uréia no meio, que dá fome e faz com que o animal coma o capim seco que geralmente ele não iria ingerir. Alimentando-se do proteinado, o boi vai roer a grama seca, que dissolverá no organismo dele, aumentando assim o apetite.

 

Pasto – Tem que estar limpo, sem praga, sem árvores e geralmente formado, ou seja, com bastante capim. Em Alto Araguaia, um bom pasto pode ser encontrado no bairro Vila Aeroporto.

 

Passeio – Além de montar nos animais e saírem andando pela cidade, os bois também são levados ao Rio Boiadeiro um dos principais afluentes do Araguaia, que nasce em Alto Taquari e ao percorrer mais de 2,1 km deságua no Rio Tocantins, aqui em Alto Araguaia você o “encontra” no parque municipal da cidade.

 

Ginástica – Quando levados ao rio, os bois fazem ginástica. Isso mesmo, você não leu errado! O animal é tratado como atleta, ele precisa estar preparado para carregar seus donos, então de duas a três vezes na semana, por quinze minutos, eles correm no rio contra a correnteza, para criar musculatura.

 

Atenção: Passeio só depois que o sol se põe, porque o animal não gosta e fica fraco.

 

Vacinas – Uma vez ao ano, os donos precisam levar seus bois de estimação ao veterinário para tomar as vacinas de febre aftosa, raiva e carbúnculo.

 

 

 

 

 

 

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