Cinquenta tons de racismo

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Por Luiz Henrique Lima | Por que todos os dias é preciso falar sobre o racismo, denunciá-lo e combatê-lo?

Porque todos os dias o racismo é praticado em nosso país. Na maior parte das vezes, impunemente. Às vezes, até mesmo inconscientemente. Mas sempre cruel, nojento e covarde.

Alguns episódios se tornam conhecidos e ganham repercussão: a humilhação de um entregador de pizza, o espancamento de um jovem pelos seguranças de um shopping ou a decisão de uma juíza que substituiu o direito pelo preconceito. Mas para cada um desses eventos que despertam indignação quando divulgados, há muitos milhares de outros atos racistas, diariamente, em toda parte: empresas, escolas, igrejas, quadras esportivas condomínios, transportes públicos e espaços de lazer.

Muitos brasileiros se acostumaram a presenciar ou participar de episódios de racismo, a tal ponto que se surpreendem e reagem quando uma voz incômoda, mas corajosa, rompe o silêncio, desnuda a farsa e chama o racista pelo seu verdadeiro e infame nome: racista!

Não precisa se ofender ou se espantar. Nem todo racista desfila por aí com o capuz cafona da Ku Klux Klan, carregando tochas ou tatuando suásticas. Nem todo racista anda por aí ofendendo atletas em estádios, artistas em palcos, atendentes em lanchonetes. Nem todo racista se esconde no anonimato de redes sociais para vomitar intolerância, preconceito e ódio.

Há pelo menos cinquenta tons de racismo. E todos são torpes e podres.

Há racistas, por exemplo, especializados no negacionismo do racismo. Constroem elaborados raciocínios para mascarar essa chaga pulsante entre nós desde que o primeiro europeu chegou ao Brasil. Ora utilizam argumentos de pensadores de direita, para atribuir aos indivíduos negros a responsabilidade por não alcançar espaços proporcionais de ascensão social, acadêmica ou política; ora recorrem a argumentos típicos da esquerda para dissolver o fenômeno da discriminação racial no contexto da luta de classes.

Há racistas bastante sofisticados que se pretendem liberais ou progressistas. Distanciam-se dos racistas mais truculentos e até se aproximam de pessoas negras, que utilizam como álibi – “eu tenho amigos negros”- mas quando se apresenta uma situação concreta, em momento algum atuam efetivamente para coibir o racismo e punir os racistas.

Há racistas que atribuem aos antirracistas a pecha de violentos e intolerantes, quando não há maior demonstração de ódio, intolerância e violência que o próprio racismo. Esse suposto cidadão de bem reclama que há excessos nas manifestações antirracistas, mas nunca, jamais participou sequer de um culto ecumênico em homenagem às vítimas do racismo. Para esse cidadão de bem, estátuas de brancos traficantes de escravos importam mais que vidas negras sendo sacrificadas todos os dias em nossas periferias.

O que ele não entendeu é que quando o último racista deixar de ser racista não haverá necessidade de luta antirracista. E que enquanto houver racismo, aberto ou dissimulado, assumido ou envergonhado, haverá o imperioso dever da luta antirracista.

Esse é um ponto em que não há neutralidade possível. Se você não é antirracista, sinto dizer que você é racista.

A omissão diante do racismo ajuda a perpetuá-lo. A complacência com atitudes racistas, como a dos adolescentes cariocas que injuriaram sua colega de classe, faz com que um comportamento intolerável se torne socialmente aceito.

Ao ver as reportagens sobre as grandes manifestações antirracistas que nos últimos meses tomaram as ruas das principais cidades do planeta, um cartaz, escrito à mão, sobressaiu. Dizia: “Silêncio é violência.”

Imediatamente recordei de Martin Luther King e de sua frase que coloquei na epígrafe de um dos meus livros: “Há um tempo em que o silêncio é traição.”

Quem silencia diante da violência racista, acoberta essa violência. Protege-a. Protegendo-a, estimula sua permanência e perpetuação.

Então, se você não se julga racista, se você não quer ser racista, venha se somar à causa antirracista. Não permita que o seu silêncio alimente a violência.

Luiz Henrique Lima é conselheiro substituto do TCE-MT

 

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