Assassinatos voltam a crescer no país após 2 anos de queda

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O número de assassinatos no país, em queda desde 2018, voltou a crescer no primeiro semestre deste ano, quando 25.712 pessoas foram mortas no Brasil, o equivalente uma pessoa a cada 10 minutos. Esse total é 7% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando 24.012 pessoas foram assassinadas no país.

Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que compila estatísticas de criminalidade no país. O 14º anuário da instituição mostra também que o número de mortos em 2019 foi o menor em oito anos e o menor da década quando se analisa proporcionalmente à população.

Em todo o ano passado, 47.773 pessoas foram assassinadas no Brasil, número ainda menor do que no ano anterior, que interrompeu uma escalada de crescimento que teve recorde em 2017 com 64.078 assassinatos.

O índice por 100 mil habitantes, usado para comparar a violência em diferentes regiões, foi de 22,7 assassinatos a cada 100 mil moradores em 2019, abaixo dos 30,9 de 2017.

O Fórum coloca esses assassinatos sob o guarda-chuva de mortes violentas intencionais (MVI), que somam registros de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes em ações policiais em todo o país. As informações são repassadas pelos governos estaduais.

Apesar da queda no ano passado, o Brasil se manteve entre os países mais violentos do mundo, com taxas bem acima das de países como Estados Unidos (5) ou Argentina (5).

A média nacional, porém, esconde desigualdades regionais. Os estados mais violentos estão no Norte e Nordeste -com exceção do Rio-, onde organizações criminosas disputam mercados e rotas de tráfico de drogas.

A taxa de homicídios mais alta é a do Amapá, com 49,7 casos por 100 mil habitantes (contra 58,3 no ano anterior). Roraima, estado recordista de homicídios proporcionalmente à sua população em 2018, conseguiu baixar a taxa de 66,6 casos por 100 mil naquele ano para 35 em 2019.

Redução maior que essa teve apenas o Ceará, que baixou as mortes pela metade, de 52,8 casos por 100 mil em 2018 para 26,2 em 2019. Mas essa queda deve ser revertida neste ano porque, na comparação do primeiro semestre de 2020 com o mesmo período de 2019, já houve um aumento de 97% dos assassinatos.

Foi o aumento no Ceará que ajudou a puxar o número no Brasil. Foram 1.050 mortes a mais no estado, 68% das 1.700 mortes a mais que houve em todo o país. O estado vive uma crise de segurança e enfrentou greve da Polícia Militar em fevereiro, quando o número de assassinatos bateu recordes.

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que “a greve funcionou como uma catalisadora do que não deve ser feito. O debate de segurança ficou resumido a uma pauta corporativista, e as facções se readequaram e se reorganizaram, com novas lideranças nas ruas”, afirma.

PE, BA e SP são alguns dos outros estados que ajudaram a puxar a alta. Se mantiver o ritmo, SP pode reverter a tendência de queda constante no número de assassinatos. O estado havia fechado o ano de 2019 com a menor taxa de mortes do país, com 8,9 casos a cada 100 mil habitantes.

Lima diz que o país perdeu a chance de entender a queda nos anos anteriores. “Virou uma oportunidade perdida em salvar vidas, a gente investiu pouco em saber as razões, em avaliar protocolos de policiamento, boas práticas”, diz ele, que elenca, entre hipóteses levantadas por especialistas, políticas públicas focadas na redução de mortes, acordos entre facções e fatores demográficos, como envelhecimento da população.

No primeiro ano de queda, 2018, houve a criação do Ministério da Segurança Pública, aprovação do Sistema Único de Segurança Pública e intervenção no Rio, episódios que levaram o debate sobre a segurança para o público, diz.

Essa redução foi comemorada pelo governo Bolsonaro, já no poder, embora tenha ocorrido ainda na gestão Temer.

A partir de 2019, ele diz, “você fica patinando no debate público. O [ex-ministro Sergio] Moro gastou muita energia com um pacote anticrime que não foi aprovado como ele queria, Bolsonaro incentivou uma agenda armamentista, com mais de uma dezena de decretos para facilitar a circulação de armas”, diz.

O número de registro de armas para caçadores, atiradores e colecionadores mais que dobrou do ano passado para cá. “São pessoas que viram nesse registro a facilidade para ter uma arma. É difícil pensar que dobrou o número de caçadores no Brasil.”

Os dados mostram que 72,5% dos assassinatos no país são cometidos por armas de fogo e que jovens e negros são as principais vítimas.
Lima cita ainda a prisão do traficante Fuminho, em abril, “um dos principais atacadistas de drogas da América do Sul. O PCC teve que buscar outras rotas, que já estavam sob o domínio de outras facções, o que incentiva conflitos”.

“O tensionamento do crime organizado por uma série de fatores, polícias que se ensimesmaram em demandas corporativistas e em conflitos com governadores, que foram politizados pelo debate Bolsonaro versus governadores, e municípios tendo que se virar para cuidar da segurança. Não me surpreende o crescimento [de mortes]”, resume.

Com o aumento de assassinatos no país, cresceu também o número de policiais mortos e de pessoas mortas em ações da polícia. Este, por sua vez, tem crescido ano após ano, mesmo com a queda no total de mortes, e chegou a representar no ano passado 13% de todos os assassinatos do país. A taxa de negros mortos pela polícia é quase três vezes a de brancos.

Diretora executiva do Fórum, Samira Bueno diz que um dos fatores para esse aumento constante foram as promessas de governadores eleitos em 2018, como Doria em SP e Witzel no Rio de que a polícia teria carta branca para matar. Além disso, a distribuição é desigual pelo país.

“Tem estados onde a polícia mata muito pouco, como em MG. E outros onde isso é obsceno, como em SP ou RJ, onde a polícia é responsável por 30% do total de mortes. A gente tem decisões políticas que se misturam com culturas organizacionais que incentivam o uso da força letal como instrumento de controle”, diz.

A maior parte dos policiais morre vítima de arma de fogo e em latrocínio, reagindo a roubos, o que indica que boa parte desses agentes fazia bicos como segurança em momentos de folga, diz Bueno.

Embora os assassinatos tenham crescido na pandemia, caíram os registros de roubos. Parte desse movimento é creditado à queda nos registros, com delegacias fechadas durante a pandemia, mas parte também pode ser explicada pelas medidas de isolamento, que tirou gente das ruas, diminuindo assim os roubos de transeuntes ou de veículos.

Também caíram os registros de violência sexual e doméstica, mas não caíram os chamados ao 190 e as mortes de mulheres. “Isso mostra que o acionamento até é feito em casa. Mas as delegacias continuam sendo a principal porta de entrada para uma mulher vítima de violência.”

Da Folhapress – São Paulo

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