A pílula anticoncepcional é considerada por muitos como um símbolo da emancipação feminina ao permitir a elas ter relações sexuais sem medo de engravidar. No entanto, a história por trás do seu desenvolvimento não teve muito a ver com essa ideia.
Por exemplo: você já se perguntou por que o ciclo de uso pílula envolve tomá-la por três semanas e interromper o uso (ou adotar um placebo) na quarta semana? Alguns podem imaginar que seus criadores, John Rock e Gregory Pincus, tenham feito isso por razões médicas, mas o motivo não foi científico, mas cultural.
Rock era um católico devoto, e para ele era importante obter a aprovação do Vaticano. Por isso, ele queria que o sistema anticoncepcional fosse o mais parecido possível com outro já aprovado pela Igreja Católica, o método rítmico, conhecido popularmente como tabelinha, que consiste em não fazer sexo no período de ovulação, quando a mulher está fértil.
Por isso, Rock pensou que, se a pílula emulasse o ciclo natural, poderia ser vista com bons olhos pelo papa. Mas seu plano fracassou.
A pílula foi aprovada em 1960 e tornou-se muito popular, mas a Igreja levou quase uma década para se manifestar publicamente e, quando o fez, condenou o método por considerá-lo “artificial”.
Esquecimento
A essa altura, a principal preocupação já não era a Igreja, mas as mulheres. Como se tratava da reprodução (de evitá-la, para ser mais preciso), alguns homens se preocupavam em deixar essa responsabilidade na mão delas.
O sistema criado por Rock e Pincus exige que as mulheres sigam com muita atenção seu ciclo de uso, tomando a pilula por 21 dias e interrompendo por sete. Caso se esqueçam de alguma dose, perde-se o efeito anticoncepcional.
Preocupado com a possibilidade de sua mulher se esquecer da pílula diária, um homem chamado David Wagner, que era pai de quatro filhos, criou em 1961 uma embalagem redonda que permite ver se a mulher está tomando a pílula corretamente. Várias empresas farmacêuticas copiaram o modelo, que segue popular ainda hoje em alguns países.
A forma de promover essa nova apresentação da pílula revela muito sobre aquela época, como ressaltou a jornalista Leila Ettachfini em um artigo no site Broadly. “Fácil para que você explique… e para que ela use”, dizia um anúncio de 1964 da empresa Ortho-Novum. Outra publicidade, de 1969, da marca Lyndiol dizia aos médicos para “proteger sua paciente do próprio esquecimento”.
‘Nenhuma razão médica’
Muitos especialistas acreditam que os inventores da pílula podiam ter evitado tudo isso – e não apenas porque a sociedade finalmente aceitou, com o tempo, que as mulheres não precisavam de um homem para lhes explicar nada.
O médico baiano Elsimar Coutinho, coautor do livro Menstruação, a Sangria Inútil (Gente, 1996), argumenta que “a ovulação incessante não cumpre nenhum propósito” e que as mulheres, se assim quiserem, podem tomar a pílula por períodos mais longos para evitar não apenas a gravidez, mas a própria menstruação, que é muitas vezes incômoda e dolorosa.
O jornalista e sociólogo Malcom Gladwell apoiou essa ideia em 2000 em um ensaio publicado na revista The New Yorker sobre o ciclo de 28 dias idealizado por Rock e Pincus dizendo: “Não havia e não há nenhuma razão médica para isso”.
Coutinho, diz Gladwell, destaca que a menstruação gera uma série de problemas de saúde que poderiam ser evitados ao suprimi-la: dores abdominais, alterações no estado de ânimo, enxaquecas, endometriose e anemia.
Por sua vez, Ettachfini afirmou em seu artigo que na verdade existem dois anticoncepcionais orais que podem ser tomados de forma contínua, sem sangramentos mensais. O Seasonale foi lançado em 2003 e propõe só quatro menstruações por ano: uma a cada estação. E, em 2007, foi aprovada a primeira pílula sem pausas para menstruar, a Lybrel.
Críticos
Ainda que chame atenção o fato de que poucas mulheres saibam que podem optar por não menstruar, também não há um consenso de que isso seja uma boa ideia.
Há cientistas que inicialmente advertiram não haver estudos consistentes sobre o efeito para uma mulher de não menstruar por longos períodos de tempo. Mas especialistas concordam que isso não gera problemas de saúde.
Há ainda quem alerte sobre os perigos de se tomar a pílula, em especial por períodos prolongados.
O site Broadly publicou um ano atrás que há cada vez mais estudos que falam da existência de um vínculo entre o uso de anticoncepcionais hormonais e a depressão, citando um uma pesquisa dinamarquesa que mostrou que adolescentes que tomavam a pílula tinham “um risco 80% maior” de terem de tomar antidepressivos.
Por outro lado, para algumas mulheres, menstruar é uma parte fundamental de sua identidade, ainda que outras se recusem a associar o ciclo reprodutivo com a identidade de gênero.
A certeza é que, no fim das contas, o importante é que as mulheres saibam que têm mais de uma opção.
http://www.msn.com/pt-br/saude/medicina/a-surpreendente-raz%C3%A3o-pela-qual-os-inventores-da-p%C3%ADlula-anticoncepcional-decidiram-que-as-mulheres-deveriam-continuar-menstruando/ar-AAsV3dz?ocid=mailsignout